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Opinião | Rnest, uma história que não deve ser esquecida

Retomada das obras traz à tona o alerta do TCU, cujo objetivo foi o de evitar que se repita no Brasil o ‘malogro comercial bilionário’ do projeto da refinaria

Por José Mauro de Morais

O título deste artigo inspirou-se numa publicação do Tribunal de Contas da União (TCU) editada em 2021 (Gestão Rnest – Uma história que precisa ser contada para não ser repetida), após diversas auditorias na construção da Refinaria do Nordeste (Rnest), em Pernambuco, terem constatado ocorrências de projetos básicos deficientes, má gestão, contratos com sobrepreços, fraudes em licitações e desvios de recursos, que resultaram em vultosos prejuízos para a Petrobras.

A ideia da construção da refinaria nasceu em 2003, quando o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, propôs ao presidente Lula da Silva uma associação entre a Petrobras e a estatal venezuelana Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA). Foi decidida a construção de uma refinaria para o processamento de 200 mil barris/dia de petróleos brasileiro e venezuelano. Porém, em dezembro de 2007, ao verificar que não seria possível processar numa única refinaria a mistura de petróleo pesado nacional com o extrapesado da Venezuela, a Petrobras duplicou todos os equipamentos para instalar duas unidades de processamento de petróleo, ou “Trens”, com a capacidade de 115 mil barris/dia cada uma.

Logo na fase inicial, o custo foi elevado de US$ 2,4 bilhões para US$ 4,1 bilhões, em parte em razão do aumento de 21% nos custos com a duplicação dos equipamentos, provocando a primeira redução na viabilidade econômica do projeto. Para antecipar para 2010 sua inauguração pelo presidente Lula, a Diretoria Executiva da Petrobras aprovou, em 2007, a pedido do então diretor de Abastecimento, Paulo Roberto Costa, o Plano de Antecipação da Refinaria. Foram aceleradas as diversas etapas do projeto, como terraplenagem, contratação do projeto de engenharia, processos licitatórios para a aquisição de equipamentos, incluindo os necessários ao refino do óleo venezuelano. Tudo isso “sem que o projeto tivesse nível de maturidade suficiente, gerando aditivos e elevação dos custos” (Petrobras, DIP Dabast 71/2014). O custo da refinaria saltou para US$ 13,4 bilhões no final de 2009. Não obstante a Rnest não mais apresentar viabilidade econômica, com Valor Presente Líquido negativo em US$ 3 milhões, os gestores prosseguiram com os investimentos, contrariando as próprias regras da Petrobras.

Em 2013, a Venezuela desistiu da associação, sem aportar sua parte do capital na Rnest. Em dezembro de 2014, a Rnest foi inaugurada, com o acionamento apenas do primeiro Trem, produzindo nafta, coque, óleo combustível e óleo diesel com ultrabaixo teor de enxofre (diesel S-10). A implantação do segundo Trem foi paralisada no início de 2015, quando estava com 80% da execução. O custo da construção parcial da Rnest extrapolou para US$ 20,1 bilhões, com perdas no balanço da Petrobras de R$ 15,463 bilhões.

Após quase nove anos com obras paradas, a Petrobras lançou, em agosto de 2023, licitação para retomar a construção do Trem 2 da Rnest. O TCU analisou os resultados da licitação e constatou irregularidades (Acórdão 2.617/2024). As propostas de preços ofertadas pelas construtoras classificadas, no valor total de R$ 10,8 bilhões, situaram-se muito acima do orçamento de referência da Petrobras, de R$ 6 bilhões, que deve ser o valor máximo para a licitação. Apesar da expressiva diferença, a Petrobras optou por realizar correções no orçamento, que foi aumentado em R$ 1,3 bilhão. As construtoras, por sua vez, reduziram suas propostas em R$ 1,62 bilhão. O TCU considerou que esses ajustes foram feitos de maneira interativa entre a Petrobras e as empresas, condição que comprometeu a isonomia e a impessoalidade do processo exigidas na Lei das Empresas Estatais. Diante dos indícios de irregularidades apontados pela fiscalização do TCU, a licitação foi encerrada.

A Petrobras abriu outro processo licitatório, em 9 de dezembro deste ano, por meio de sete editais, no valor de R$ 8,4 bilhões para as obras de finalização da refinaria, que terá capacidade de processamento de 260 mil barris de petróleo/dia para os dois Trens.

Não resta dúvida de que o Brasil precisa aumentar sua produção de combustíveis para utilizar parte do petróleo bruto exportado e diminuir as importações, especialmente de óleo diesel. A retomada das obras na Rnest, com a contratação de construtoras para terminar a instalação do Trem 2, traz à tona o fundamentado alerta do TCU na publicação comentada, cujo objetivo foi o de evitar que se repita no Brasil o “malogro comercial bilionário” do projeto da Rnest, que se converteu num “ousado esquema de corrupção e desvio de recursos”. O Ministério Público Federal verificou que todas as empresas convidadas pela Petrobras para participar das licitações na Rnest pertenciam a um cartel de 16 empreiteiras que dominou as licitações da Petrobras de 2004 a 2014.

O alerta do TCU se torna ainda mais relevante quando se lembra que esquemas de corrupção envolvendo ex-dirigentes da Petrobras ocorreram também na construção de outra refinaria, o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), que provocaram a paralisação da sua construção, em 2015, e em dezenas de outras obras da Petrobras que sofreram desvios de recursos no mesmo período.

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AUTOR DE PETRÓLEO EM ÁGUAS PROFUNDAS – UMA HISTÓRIA DA EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA DA PETROBRAS NA EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO NO MAR (IPEA, 2023, 2ª EDIÇÃO), FOI COORDENADOR NO IPEA, COM ESTUDOS E PESQUISAS EM ENERGIAS RENOVÁVEIS E PETRÓLEO (2013-2019)

Opinião por José Mauro de Morais

Autor de ‘Petróleo em águas profundas – uma história da evolução tecnológica da Petrobrás na exploração e produção no mar’ (Ipea, 2023, 2ª edição), foi coordenador no Ipea, com estudos e pesquisas em energias renováveis e petróleo (2013-2019)