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Opinião | Santas Casas têm de se transformar junto com a saúde

Relação com o SUS não vai proporcionar num futuro próximo o equilíbrio financeiro de que necessitamos. Mas a transformação da assistência e do mercado de saúde nos mostra soluções

Por Ivã Molina

Desde que a primeira Santa Casa foi fundada no Brasil, no Porto de São Vicente, em 1543, a saúde mudou bastante. Principalmente na última década, ocorreu uma transformação sem precedentes apoiada no desenvolvimento científico, tecnológico e de gestão, além de uma nova abordagem que coloca o paciente no centro do cuidado e investe para aprimorar a experiência do cliente.

Sim, cliente, porque as organizações de saúde devem ser administradas como os negócios sofisticados e complexos que se tornaram, inclusive as instituições filantrópicas. Afinal, o fato de não buscar lucros não desobriga uma gestão economicamente sustentável. Ao contrário, mais do que nunca é fundamental para as Santas Casas buscarem uma operação de alta performance e o equilíbrio financeiro para manterem as portas abertas e a qualidade do atendimento.

As instituições filantrópicas são centenárias, principalmente pela sua capacidade de se adaptar à evolução da sociedade. E pela sua resiliência aos séculos de pressão econômica, sempre fazendo mais do que os recursos disponíveis indicavam ser possível. Não há dúvidas da nossa capacidade de resistência e superação, mas é preciso ir além disso. Temos de nos integrar às transformações e aproveitar todo o potencial dos nossos atributos, que são muitos e valiosos.

Temos, por exemplo, competência avançada e comprovada, pois basta lembrar que realizamos mais de 70% dos procedimentos de média e alta complexidades no Sistema Único de Saúde (SUS), como transplantes e tratamentos oncológicos. Nossa estrutura e capilaridade são incomparáveis, com presença em todas as regiões do País, e a única alternativa de atendimento em mais de mil municípios. E o mais importante: temos a confiança da população.

Com tantos ativos, é hora de nos posicionarmos na vanguarda do setor, conquistar autonomia financeira e oferecer a melhor experiência para os nossos pacientes e familiares, com os mais recentes tratamentos comprovadamente eficazes e o acolhimento humanizado que, desde sempre, é a marca da rede filantrópica. Podemos juntar a nossa vocação para o cuidado e a tradição dos nossos hospitais às inovações do mercado e da assistência para oferecer uma síntese do que de melhor a saúde pode oferecer.

De início, vamos olhar para as operações e fazer um diagnóstico sobre como podemos ser mais eficientes. Revisar práticas e processos, modernizar a infraestrutura e incorporar tecnologia de forma inteligente, sem modismos e com investimentos concentrados no que realmente vai fazer diferença.

A transformação digital, aliás, deve se tornar um objetivo estratégico. Mas devemos abordar o fenômeno além da tecnologia e aproveitar a oportunidade para criar uma cultura de inovação em nossas organizações. Despertar a curiosidade e a vontade de aprender das nossas equipes, estimulando a certeza de que sempre é possível encontrar novos meios para fazer melhor e com mais segurança.

A gestão de pessoas também tem de ser uma prioridade, afinal, formar bons profissionais de saúde é uma tarefa complexa e os hospitais têm de investir em programas de capacitação continuada. Mais do que isso, temos de construir um ambiente propício para atrair e reter talentos, com incentivo à pesquisa e planos de carreira que façam sentido para um quadro de colaboradores que, pela primeira vez, reúne quatro gerações com interesses e necessidades distintos trabalhando juntas.

Além da assistência, também é hora de olhar os novos modelos de negócios e formas de oferecer os serviços de saúde. Temos um cliente principal, que é o SUS, nossa prioridade, mas devemos aumentar o alcance e atender outros segmentos. Na Santa Casa de São José dos Campos, por exemplo, lançamos um plano de saúde que é um sucesso em receita e na avaliação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Os recursos dessa operação estão financiando a ampliação e a modernização das nossas instalações, numa grande reforma que vai beneficiar inclusive os pacientes do serviço público.

Ao mesmo tempo, podemos olhar para potenciais clientes corporativos e diversos outros novos meios de oferecer saúde. E, ainda, avaliar a entrada na área de ensino, transmitindo o conhecimento e a experiência abundantes em nossas unidades.

E a condição básica para embarcarmos nesta transformação é a modernização da gestão, uma das áreas que mais evoluiu na saúde nos últimos anos. Os executivos precisam se atualizar e incorporar as novas práticas administrativas, financeiras e de controle, além de gestão das pessoas e de relacionamento com o cliente. A responsabilidade é da liderança. E devemos assumi-la o mais rápido possível.

A verdade é que não é possível, em 2023, as Santas Casas continuarem dependentes de bingos e outros tipos de doação para sobreviverem. Da mesma forma, está claro que a relação com o SUS não vai proporcionar – ao menos não num futuro próximo – o equilíbrio financeiro de que necessitamos com urgência. Por outro lado, a transformação da assistência e do mercado de saúde está mostrando diversas soluções. Então, vamos nos transformar também.

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PROVEDOR DA SANTA CASA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS E VICE-PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO DAS SANTAS CASAS E HOSPITAIS BENEFICENTES DO ESTADO DE SÃO PAULO (FEHOSP)

Opinião por Ivã Molina