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Opinião|Segurança, educação e o universo prisional

O Estado brasileiro falha ao não aproveitar a previsão legislativa para capacitar e educar o preso ao longo do cumprimento da pena

Por Antonio Gonçalves

O governo federal enfrenta dificuldades na segurança pública com problemas conhecidos e recorrentes. Em geral, a justificativa é a ausência de verbas para atender às demandas, o que é parcialmente verdade. Um país que está entre as dez maiores economias do mundo não pode alegar falta de recursos. A questão é como esse erário é alocado e distribuído.

Na segurança pública os problemas são variados e parte deles reflete no universo prisional. Em pleno 2024 não se sabe, com exatidão, qual a população carcerária brasileira. E como implementar e desenvolver políticas de ressocialização sem se saber qual é esse número?

Falta um banco de dados eficiente, minimamente confiável e unificado acerca do total dos presos no Brasil, pois quando não se conhece o público, poucos resultados são obtidos, e no cárcere a realidade é a mesma. Claro está que a capacidade de ressocialização dos presos é baixa, pois, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, apenas 19,7% trabalham, mesmo diante do artigo 126, parágrafo 1.° da Lei de Execução Penal, que prevê a redução de um dia de pena por três dias trabalhados pelo condenado que cumpre pena em regime fechado ou semiaberto. O mesmo artigo também prevê a remissão pelo estudo. Assim, o Estado brasileiro falha ao não incentivar e/ou aproveitar a previsão legislativa para capacitar e educar o preso ao longo do cumprimento da pena.

E qual a relevância da ressocialização para o Estado Democrático de Direito brasileiro? No Brasil não temos pena de morte, logo, se pressupõe que os presos ao cumprirem sua pena serão reinseridos na sociedade. Dessa forma, se o governo federal ofertar caminhos para capacitar a população prisional, os frutos podem ser revertidos para a própria sociedade.

Uma parcela significativa da população brasileira considera que o preso é um mal social e, não por acaso, o adágio popular “bandido bom é bandido morto” ainda reverbera no Brasil. Por conseguinte, temos insatisfação quando há a cogitação de investimentos para educar o preso. A reposta dos contrários, em geral, é: o Estado paga pelo preso e ainda vai investir em uma pessoa que cometeu um crime? Exatamente.

A educação é o melhor caminho para recuperar o preso e, para tanto, precisamos compreender como é esse universo. Quarenta e três por cento dos presos têm idade entre 18 e 29 anos, e se for considerado até os 34 anos, o número chega a quase 63%. Acerca da escolaridade: 8% são analfabetos, 70% não concluíram o ensino fundamental e 92% não concluíram o ensino médio.

Comparativamente, estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indica que um a cada quatro brasileiros entre 25 e 34 anos não trabalha. E, apesar de 64% das pessoas entre 25 e 34 anos sem ensino médio estarem empregadas, o mesmo estudo indica que 59% ganham menos da metade da renda média da população.

Qual o objetivo com tal comparação? A população carcerária é reflexo da falta de emprego e educação na sociedade, e parte dessa população envereda para o crime, o que não é uma singela coincidência. O governo federal tem a Lei de Execução Penal como instrumento para aproveitar, habilitar, treinar e certificar os presos e, por conseguinte, minorar a falta de capacitação e educação das pessoas abaixo dos 34 anos.

Ora, mas por que investir nos presos ao invés de investir na população livre? Em verdade, o Estado tem falhado com ambos, porém há diferenças. Os primeiros estão sem liberdade e com tempo vago, ao passo que o segundo grupo tem a opção de não querer estudar e se aprimorar. No entanto, no atual modelo, não há um real interesse do Estado no universo prisional no incentivo aos estudos e capacitação profissional. Um erro dos presos e dos Estados, afinal, um dia de pena é remido a cada 12 horas de frequência escolar, com limitação de um terço de remissão de pena. Ademais, a cada livro lido pelo preso significa quatro dias a menos em sua pena, com um limite de 12 livros por ano, o que significa 48 dias a menos de pena.

De tal sorte que os presos poderiam estar em liberdade em tempo menor, o que representaria redução de custos para os Estados e reinserção social com indivíduos que foram para o sistema prisional com baixo ou nenhum estudo e podem sair capacitados.

O governo federal e os Estados não têm investido nesse modelo por conta da baixa aprovação social e pela justificativa da falta de recursos. Porém, educar faz parte do entendimento da remissão da culpa.

O tema gera discussão e insufla tabus, mas é um caminho menos custoso para que o governo federal capacite essa parcela da população. Já que uma pessoa foi presa e condenada, por que o Estado não pode contribuir para sua ressocialização? Não somente pode como também deve.

A Constituição federal não faz distinção entre pessoas, sejam elas presas ou não, e todos têm direito a um ensino provido pelo Estado. Assim, que a própria sociedade se beneficie da educação e da capacitação do preso.

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ADVOGADO CRIMINALISTA

Opinião por Antonio Gonçalves

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