Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|Sinal de alerta para a gestão da dívida municipal

Prefeitura de SP é uma das maiores devedoras de precatórios vencidos e não pagos do País. Ritmo lento de redução dessa dívida acende uma luz amarela

Por Eduardo Tuma, Maurício Faria e Philippe Duchateau

No dia 4 de maio, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) completou 23 anos. Importante marco para a promoção da sustentabilidade fiscal, seus efeitos merecem ser rememorados e enaltecidos. Merecem destaque os instrumentos empregados na busca de equilíbrio orçamentário permanente e, em especial, no controle do endividamento público. Ao mesmo tempo que estabelece limites e condições para as renúncias de receitas e geração de despesas, a LRF dedica um capítulo inteiro para a dívida e o seu controle. Regulamenta a competência do Senado Federal, prevista na Constituição de 1988, quanto à imposição de limites para as dívidas de todos os níveis de governo, bem como estabelece mecanismos de recondução destas aos seus limites, quando ultrapassados.

Sob as balizas da LRF, o Senado Federal editou em 2001 as Resoluções n.º 40 e n.º 43, que estabeleceram limites para as dívidas de Estados e municípios como proporção da sua receita e, entre outras medidas, critérios adicionais para autorização de novas operações de crédito. Desde então, o endividamento dos entes subnacionais reduziu significativamente. A dívida líquida de Estados e municípios e suas estatais, que somava 20,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2001, chegou a 8,6% do PIB ao fim de 2022. Por outro lado, houve aumento expressivo da dívida líquida do governo federal, que passou dos 31,9% do PIB, em 2001, para 47,9%, em 2022, justamente o ente que, embora com expressa previsão na Constituição e na própria LRF, é o único que ainda não conta com limites para seu endividamento. Não por outra razão se discute com tanta ênfase neste momento a regra que substituirá o teto de gastos como âncora fiscal de longa duração para garantir a sustentabilidade da dívida federal.

No caso específico do Município de São Paulo, pela primeira vez desde a promulgação da LRF, a dívida consolidada líquida encerrou o exercício com valor negativo (R$ 8,5 bilhões), ou seja, há mais recursos em caixa do que dívida a pagar. É bem verdade que as disponibilidades de caixa do Município são elevadas, quaisquer que sejam os parâmetros utilizados para sua avaliação. Mas isso não obscurece a notória trajetória de redução do endividamento municipal, produto do esforço fiscal conjugado de sucessivas administrações, de diferentes espectros políticos, mas todas sob a égide dos limites e controles introduzidos a partir da LRF.

Dois marcos importantes, ao longo das últimas duas décadas, contribuíram para que a trajetória de redução do endividamento fosse acelerada. O primeiro foi a revisão dos indexadores das dívidas de Estados e municípios renegociadas com a União. Em vez do IGP-DI mais juros de 9% ao ano, a dívida renegociada com a União, a partir de 2013, passou a ser atualizada pelo IPCA mais juros de 4% ao ano, limitados à taxa Selic. E todo o estoque da dívida naquele momento foi reduzido em função da aplicação da taxa Selic como indexador desde a assinatura dos contratos de refinanciamento.

O segundo marco relevante foi o acordo judicial estabelecido entre o Município e a União no ano passado, que promoveu a quitação do estoque da dívida refinanciada, no valor de R$ 24 bilhões, em troca da indenização pelo uso da área do Campo de Marte pela União desde a Revolução Constitucionalista de 1932, considerado indevido por todas as instâncias do Judiciário.

Se, por um lado, os paulistanos podem comemorar os benefícios de longo prazo decorrentes da redução do endividamento municipal, especialmente a viabilidade para financiar investimentos de grande vulto necessários à cidade, por outro, a dívida de curto prazo do Município requer atenção redobrada, especialmente desta e da próxima gestões. Dos R$ 20,3 bilhões de dívida consolidada, 93,5% são de precatórios judiciais – ordens de pagamento expedidas pela Justiça para cobrar da administração municipal os valores devidos após condenação definitiva. O estoque de precatórios vencidos deve ser quitado, segundo a Constituição federal, até dezembro de 2029. O Município tem, portanto, pouco mais de seis anos para pagar essa dívida.

Atualmente, a Prefeitura de São Paulo é uma das maiores devedoras de precatórios vencidos e não pagos do País. Essa dívida somou R$ 19 bilhões ao fim de 2022, o que representou 24% das suas receitas correntes. Se a capital fosse um Estado, seria o segundo maior devedor, tanto em termos absolutos quanto em proporção da sua receita. E, a despeito de a Prefeitura colocar a disposição cerca de R$ 3 bilhões de seu orçamento anual, esses recursos mal cobrem o valor da expedição de novos precatórios. O ritmo lento de redução desta dívida, considerando o prazo curto para sua quitação, acende a luz amarela, de atenção, ao cumprimento dessa obrigação.

O Tribunal de Contas do Município de São Paulo, que, em sua atividade fiscalizatória, sempre primou pelo cumprimento das regras fiscais vigentes no País, dedicará a atenção redobrada que o caso requer quanto à efetiva quitação da dívida de precatórios no prazo imposto pela nossa Carta Magna.

*

SÃO, RESPECTIVAMENTE, CONSELHEIRO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (TCM-SP); CONSELHEIRO DO TCM-SP; E EX-SECRETÁRIO MUNICIPAL DA FAZENDA

Opinião por Eduardo Tuma, Maurício Faria e Philippe Duchateau