A proliferação de decisões monocráticas no Supremo Tribunal Federal (STF) tem gerado crescente inquietação. Originalmente concebidas para casos excepcionais e urgentes, as decisões unipessoais vêm sendo usadas com frequência e, por vezes, sem observância dos critérios que norteiam sua aplicação, sugerindo a necessidade de aprimoramento do modelo.
Por princípio, as decisões nos tribunais devem ser colegiadas. A Constituição privilegia a deliberação conjunta como forma de garantir legitimidade, equilíbrio e pluralismo às decisões judiciais. A troca de argumentos entre os membros de uma Corte assegura que as decisões sejam mais democráticas.
Não há liberdade quando as autoridades e suas medidas escapam a meios efetivos de controle. No Legislativo e no Executivo, a contenção se dá pela pluralidade de partidos e eleições periódicas. No Judiciário, ela é assegurada pela diversidade de vozes nos tribunais, o que confere protagonismo à colegialidade como meio de controle eficaz desse poder.
Decisões monocráticas são excepcionais, como em casos de urgência, em que o tempo é um fator crítico e a demora poderia resultar em prejuízo irreparável. Ainda, são válidas para reprodução de jurisprudência já consolidada. Nestes casos, oferecem celeridade sem comprometer a qualidade jurisdicional.
Em 2024, o STF proferiu 94 mil decisões monocráticas, enquanto apenas 21 mil foram decididas de forma colegiada. Em quatro de cada cinco casos, um único ministro decidiu sem a participação dos demais, uma inversão perigosa da lógica constitucional que privilegia julgamentos coletivos.
Ao analisar 20 decisões monocráticas recentes em casos de grande relevância, constatamos dados preocupantes: 1) em 90% dos casos, não foi justificada a urgência, ou a motivação foi genérica ou consequencialista; 2) 94,5% das decisões foram além da análise liminar e decidiram o mérito do caso, algo que deveria ser feito apenas pelo colegiado; e 3) em 25% dos casos, as decisões demoraram meses ou até anos para serem apreciadas pelo plenário, tornando-se, na prática, definitivas.
Chama a atenção o elevado número de decisões monocráticas proferidas sem urgência comprovada. Em alguns casos, a urgência alegada mostrou-se contraditória: as ações permaneceram meses à espera de julgamento antes de serem decididas monocraticamente. É comum, ainda, que algumas decisões aleguem, de forma genérica, possível prejuízo ao erário como fundamento de urgência – um argumento que pode ser aplicado a praticamente qualquer caso envolvendo a Fazenda Pública. A falta de fundamentação sólida e o uso de argumentos genéricos distorcem a natureza excepcional que deve caracterizar as decisões monocráticas.
Outro ponto de atenção é a confirmação automática, pelo colegiado, de decisões monocráticas que se prolongam no tempo. Entre as decisões analisadas, todas que exauriram o mérito foram posteriormente confirmadas. Parece que, nesses casos, os julgadores se inclinam a manter a decisão individual que tenha perdurado meses ou anos e cujos efeitos acabam se consolidando, de tal modo que causaria constrangimento afastá-los. Assim, casos de relevância nacional foram decididos, na prática, por um só ministro, esvaziando a colegialidade.
Em Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) e Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs), o uso indiscriminado de decisões monocráticas é ainda mais grave, pois a legislação exige que as liminares em ADIs sejam concedidas pela maioria absoluta do STF (Lei n.º 9.868/99, artigo 10) e impõe restrições às cautelares em ADPFs, limitando-as a casos de extrema urgência ou risco grave (Lei n.º 9.882/99, art. 5.º). Contudo, essas normas não têm sido observadas.
Para corrigir esses desvios, algumas medidas são essenciais, tais como: 1) a fixação de um prazo máximo (90 dias) para que decisões monocráticas sejam efetivamente analisadas pelo plenário; e 2) restringir o seu uso às hipóteses do artigo 21, V, e § 1.º do Regimento Interno do STF, vedando o exame exaustivo do mérito em medidas cautelares, em conformidade com as Leis n.º 9.868/99 e n.º 9.882/99 em ADIs e ADPFs.
Não se justifica o argumento de que o uso de decisões monocráticas é necessário em razão do acúmulo de processos ou que sua limitação inviabilizaria a prestação jurisdicional. Afinal, o que está em jogo são o equilíbrio e a própria legitimidade da prestação jurisdicional. Ademais, embora o STF enfrente um grande volume de processos, muitos decorrem de práticas da própria Corte, como mudanças constantes na jurisprudência e uso excessivo da modulação de efeitos, procedimentos que aumentam a litigiosidade.
Mais que uma questão processual, essa mudança representa um compromisso com a democracia e a transparência no Judiciário. O STF precisa equilibrar eficiência e legitimidade, garantindo que sua função de guardião da Constituição não se transforme numa instância de decisões solitárias. Do contrário, a prática reiterada exposta anteriormente compromete a confiança pública na instituição e pode fragilizar o papel essencial da Suprema Corte no sistema de justiça brasileiro.