O ensino médio brasileiro encontra-se em situação insólita e decisiva. Em 2017 foram estabelecidas suas novas regras. A implantação esbarrou em obstáculos e dificuldades: falta de condições materiais e tecnológicas, despreparo dos professores e gestores e oferta parcial dos itinerários, além de muita insatisfação dos alunos e das famílias com a redução de conhecimentos requeridos para o ingresso no ensino superior.
Diante disso, o MEC determinou consulta aos afetados: alunos, professores, gestores, famílias e comunidades. Com os dados obtidos, mudanças estariam sendo cogitadas: 80% da carga horária, ou seja, 2.400 horas, seria reservada para a formação comum básica e 20% (600 horas) ficariam para escolha dos estudantes entre dois percursos de aprofundamento – linguagem e suas tecnologias e ciências humanas e sociais aplicadas (História, Geografia, Sociologia e Filosofia) e ciências da natureza e Matemática (Física, Química e Biologia) – ou uma formação profissional ou técnica. Simplificação sensata e condizente com as demandas e condições operacionais das redes e escolas. Trata-se, pois, de reforma da reforma.
A título de contribuição para o debate, apresentamos algumas sugestões e ideias, sob os pressupostos de simplificação e eficiência, sobre currículo, formação profissional e técnica e bolsa no ensino médio.
Parece ser adequada a substituição dos cinco itinerários pelos dois percursos de aprofundamento mais a formação profissional e técnica. Pertinentes, também, as 3 mil horas de carga horária mínima. Com o aprofundamento, a distribuição da carga horária poderia ser mais simples. Sugerimos que dois terços – ou seja, 2 mil horas – sejam destinados à formação comum básica, com predomínio de Português e Matemática. Nesta fase, o currículo poderia ser integralizado com outros dez componentes: língua estrangeira moderna, História, Geografia, Física, Química, Biologia, Sociologia, Filosofia, artes e educação física. A interdisciplinaridade seria promovida pelas escolas e por professores, desde a interação em projetos ocasionais até a integração curricular de dois ou mais componentes no planejamento, na prática docente e na avaliação. Nesse formato, seriam cinco horas diárias, 25 semanais e mil anuais. Ainda não seria jornada integral, mas caminharia para tal.
As mil horas de aprofundamento do terceiro ano teriam a seguinte distribuição: 20% (200 horas) de parte nuclear da formação comum básica, com Português, Matemática, língua estrangeira moderna, artes e educação física, mais fundamentos de informática. As 800 horas restantes continuariam com Português e Matemática e foco, segundo a escolha de cada aluno, em um dos dois percursos. Para viabilizar o ensino médio noturno, 20% do total, isto é, 600 horas, poderia ser oferecido a distância. Os cursos de ensino médio passariam, gradativamente, a ter carga horária de 3.600 horas e 1.200 anuais. Os formandos das áreas de aprofundamento estarão preparados para os estudos superiores, para a vida e para o trabalho.
A oferta da formação profissional e técnica no terceiro ano do ensino médio é adequada e deve ser expandida. O ensino médio profissionalizante, com seus cursos técnicos previamente escolhidos pelos alunos, estaria integralizado com 2.800, 3 mil ou 3.200 horas, no caso de cursos técnicos, respectivamente, de 800, ou mil, ou 1.200 horas. Na hipótese de 3.200 horas, a instituição de ensino deve buscar condições para a realização das 200 horas adicionais. As estratégias de oferta de curso técnico continuariam sendo a integrada, a concomitante e a subsequente ao ensino médio.
Ficaria mantida a concepção presente na reforma de 2017 de que a profissionalização no ensino médio não se restringe aos cursos técnicos. Poderiam ser oferecidos e escolhidos cursos de formação inicial ou qualificação profissional, incluída a aprendizagem profissional, com duração mínima de 200 horas. Neste caso, as instituições de ensino deveriam completar as 3 mil horas com os componentes curriculares da formação comum básica.
A principal causa do não ingresso e da evasão no ensino médio é a baixa condição socioeconômica de vasto contingente de adolescentes na faixa de 15 anos a 17 anos de idade. Muitos jovens abandonam a escola ou nem mesmo nela ingressam por dificuldades financeiras, passando a trabalhar para ajudar no orçamento familiar. Entendemos que o êxito de uma nova reforma requer a criação de condições necessárias para a matrícula, a permanência e a conclusão do ensino médio na idade certa.
Propomos a criação de bolsa para o ensino médio, para apoio aos jovens considerados economicamente vulneráveis. Isso, por si só, não soluciona todos os problemas. Há outros fatores em jogo, destacando-se a formação e a valorização do magistério e a ampliação e melhoria da base física. Sem a bolsa, porém, não há possibilidade de que tal solução aconteça, pois ela constitui requisito mínimo indispensável para a realização do almejado ensino médio de excelência para todos.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE EDUCAÇÃO (APE), EX-PRESIDENTE DO CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE SP E DA CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA DO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO; MEMBRO DA APE, EX-SECRETÁRIO ADJUNTO DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SP; MEMBRO DO FÓRUM DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO ESTADO DE SP, EX-AUDITOR EDUCACIONAL DO SENAI DE SP; E MEMBRO DA APE, EX-PRESIDENTE DOS CONSELHOS ESTADUAL E MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SP