Nós brasileiros já nos habituamos com a frequente menção à inequidade social reinante em nosso país. Porém, raramente nos chegam comentários sobre esse tema a respeito dos países desenvolvidos. Pois bem, embora não nos sirva de consolo, o panorama nos Estados Unidos e parte da Europa Ocidental tampouco é digno de elogios.
Há três décadas que trabalhadores americanos e europeus não vêm desfrutando adequadamente dos benefícios do crescimento econômico, em contraste com os 30 anos de ganhos após a 2.ª Guerra Mundial.
A análise das raízes desse fenômeno implica na elaboração de extenso livro, conforme vários economistas já o fizeram, tais como o espanhol Jan Eeckhout e os franceses Daniel Cohen e Thomas Piketty. Neste artigo limito-me a citar uns poucos traços do quadro em questão.
Nas economias avançadas constata-se persistente distanciamento entre os níveis de renda e de patrimônio dos ofertantes de mão de obra e os níveis dos detentores de capital. Uma das explicações provém da perda de relevância, na estrutura produtiva dos países, daquelas atividades mais demandantes de mão de obra, provocando assim o declínio relativo na oferta de emprego como um todo. Como consequência, a criação de vagas de trabalho por unidade de bens e serviços produzidos definhou, mesmo nos períodos de crescimento econômico.
Essa realidade se exterioriza pela discrepância entre o incremento de produtividade da economia e o aumento dos salários, em detrimento dos assalariados. Tal comportamento acelerou-se com o enfraquecimento dos sindicatos registrado a partir dos anos 1980.
No caso dos Estados Unidos, a concentração social de renda vem crescendo nos últimos 50 anos, conduzindo o país ao status de o mais desigual entre os desenvolvidos, de acordo com o Council on Foreign Relations, centro de pesquisas em Washington. Adotando 1980 como base, verifica-se que a diferença atual entre os mais pobres e a classe média permanece ampla e a diferença entre a classe média e os mais ricos cresceu de forma significativa.
Dados do United States Census Bureau indicam que em 1970 os 1% mais ricos possuíam 10% da renda nacional, enquanto que agora essa relação aproxima-se de 30%. No tocante ao campo da pobreza o cenário melhorou pois houve um declínio relativo entre 1947 e 2017, quando passou de 32,1% para 12,3% da população. Mesmo assim, aproximadamente 40 milhões de pessoas vivem hoje abaixo da linha de pobreza.
Em paralelo com o esmorecimento dos níveis médios de remuneração do trabalho, verifica-se desigualdade nos valores extremos pagos aos integrantes da categoria de contratados. Isto é, além de a situação financeira média dos trabalhadores dos EUA ter se deteriorado, também se constata a ampliação da diferença entre as baixas e as elevadas remunerações, gerando alargamento da disparidade de renda entre os próprios assalariados.
Se o panorama descrito não for revertido pode-se antever três alternativas futuras nada animadoras: a) o desempenho econômico dos EUA e Europa Ocidental seria satisfatório apesar da inequidade social e, assim, se eternizaria um modelo de crescimento do PIB desvantajoso para as classes menos favorecidas; b) a classe dos desprivilegiados partiria para uma insurreição com desastrosas consequências; c) os desprivilegiados não se insurgiriam, mas a economia tenderia a um comportamento medíocre e, dessa forma, ricos e pobres sairiam perdendo. Apesar dessas três alternativas danificarem o alcance de prosperidade internacional socialmente satisfatória, ainda não surgiram propostas eficazes de solução.
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CONSULTOR ECONÔMICO EM WASHINGTON, ECONOMISTA APOSENTADO DO BNDES, É AUTOR DO LIVRO ‘ESCRITOS ITINERANTES: ECONOMIA E POLÍTICA’