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Opinião|Telebras e Starlink: além de legal, gasto deve ser legítimo

O Brasil pode – e deve – esperar pelo amadurecimento de sua indústria aeroespacial, mas não ao custo social de deixar grande parte do País sem internet

Por Carlos Eduardo Faraco Braga

O governo federal anunciou recentemente investimentos na ordem de R$ 3 bilhões, até 2026, para a estatal Telebras oferecer serviços de acesso à internet via satélite, com a implementação de um sistema similar ao da Starlink, de Elon Musk. Se efetivado, o projeto de Musk permitiria à União conectar 138 mil escolas públicas do País, 20 mil delas localizadas em áreas remotas, especialmente na Amazônia. Com seus 5.402 satélites, a Starlink atualmente é a única empresa capaz de fornecer esse serviço. A mexicana Embratel também passou a oferecer um serviço parecido com o da Starlink, o IPSat, para o setor corporativo. Mas, segundo especialistas, sem a menor chance de concorrer com o serviço de Musk.

Os recursos para a Telebras são provenientes de fundos públicos geridos por entidades governamentais e com participação das operadoras de telefonia – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) e Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel), por exemplo –, conforme estabelecido no leilão do 5G, ocorrido em 2021. E foram aprovados pelo Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas (Gape), composto por membros da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), com a exclusão das operadoras dessa decisão, numa clara demonstração de intervenção estatal com viés político.

Sem entrar na motivação da decisão governamental, um fato chama a atenção. Qual estudo técnico, de natureza financeira com avaliação econômica e de custos, justifica o governo federal gastar R$ 3 bilhões do dinheiro público para tentar implantar um serviço que já existe e é oferecido à população e ao próprio governo? Ao par do princípio da legalidade que permeia todo o Estado de Direito, no tocante à fiscalização do gasto público, mais dois princípios constitucionais emergem: o da legitimidade e o da economicidade, conforme o artigo 70 da Constituição federal.

Na lição de Regis de Oliveira: “A legitimidade diz respeito não à obediência formal do preceito superior, mas ao real atendimento das necessidades públicas, efetuando-se o contraste da norma com as finalidades encampadas no sistema financeiro, para saber-se do atingimento do bem jurídico que se pretendeu alcançar. A economicidade diz respeito a saber se foi obtida a melhor proposta para a efetuação da despesa pública, isto é, se o caminho perseguido foi o melhor e o mais amplo para chegar à despesa e se ela fez-se com modicidade, dentro da equação custo-benefício” (Manual de Direito Financeiro, São Paulo, RT, 2003, páginas 154-155).

Não basta o gasto público ser legal. Ele deve ser legítimo e econômico. Ou seja, o dinheiro público, já insuficiente para satisfazer às grandes e numerosas necessidades da sociedade, precisa ser bem gasto. Mesmo sem um estudo técnico econômico-financeiro profundo, alguns pontos de natureza prática saltam aos olhos.

Entre os defensores do projeto da Telebras, destaca-se o argumento da soberania nacional, que defende o desenvolvimento local de tecnologia estratégica – o que aconteceu, por exemplo no caso da escolha da Força Aérea Brasileira (FAB) pelo caça sueco Gripen (com compartilhamento de tecnologia entre a Saab e a Embraer), em detrimento das opções americana e francesa. Mas o mesmo exemplo mostra como a decisão no caso dos satélites é equivocada.

Enquanto a Embraer é uma potência no setor global da indústria aeronáutica, capaz de entregar o Gripen brasileiro dentro dos prazos previstos, o setor aeroespacial brasileiro está praticamente estagnado desde o trágico incêndio na Base Aérea de Alcântara, em 2003, quando do lançamento do nosso Veículo Lançador de Satélites (VLS). Quanto tempo será preciso para que nossa indústria aeroespacial consiga se equiparar a uma Starlink em qualidade de serviço? O Brasil pode – e deve – esperar por esse amadurecimento, mas não ao custo social de deixar grande parte da população sem internet.

A Starlink já possui uma constelação de satélites em funcionamento e com eficiência; a Telebras ainda precisa desenvolver e lançar uma constelação parecida. A estatal assumirá um alto risco de não consumar o projeto, ou consumar de forma lenta e/ou ineficiente, se comparada à Starlink ou a qualquer outra empresa privada. Para implantar e, sobretudo, manter a operação serão necessários muito tempo e altos custos. A rentabilidade dos preços cobrados dos futuros usuários e geridos por uma empresa estatal será suficiente para, no mínimo, zerar esses investimentos? A experiência empresarial mostra que não.

Levado adiante esse projeto, a Telebras certamente perderá seu foco atual de atuação, desistindo de usar uma tecnologia mais barata, eficiente e de disponibilidade imediata e assumindo altos riscos financeiros e operacionais. Com esse propósito, certamente o governo federal gastará o dinheiro público de forma ilegítima e antieconômica, além de fazer a gestão ineficiente da administração pública, em descompasso com os princípios constitucionais das finanças públicas.

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ADVOGADO E CONSULTOR, FOI PROFESSOR DE DIREITO FINANCEIRO DA FACULDADE DE DIREITO DO LARGO SÃO FRANCISCO (USP) E DA FADISP E DEPUTADO ESTADUAL

Opinião por Carlos Eduardo Faraco Braga

Advogado e consultor, foi professor de Direito Financeiro da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP) e da Fadisp e deputado estadual