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Opinião | Tradições natalinas e as expectativas de mudanças no direito autoral

O mercado vem se movimentando em prol da regulamentação da remuneração da execução pública do audiovisual

Por Carol Bassin e Maria Clara Fraga

Dezembro chegou e com ele todo o protocolo natalino de presentes, enfeites, pisca-piscas e, é claro, reunir a família para assistir a filmes natalinos!

Mesmo com a produção contínua e anual de obras novas com essa temática, não podemos deixar de reconhecer que clássicos como O Expresso Polar, Um Herói de Brinquedo, Grinch e o lendário Esqueceram de Mim ainda marcam a tradição da noite do dia 24 em muitas casas brasileiras.

Verdade seja dita, é evidente que a reexibição desses filmes não se dá apenas pelo desejo do espectador de reassisti-los. A tecnologia em muito ajudou, pois se antes as locadoras de fitas VHS (quem lembra?) e a TV aberta já estavam por aí cumprindo com essa função, as plataformas de streaming chegaram com força facilitando o acesso on demand do telespectador às produções audiovisuais. A qualquer tempo e com um amplo e variado acervo à disposição.

E como será que ficam os direitos autorais dos profissionais do audiovisual com essa transição e expansão significativa da veiculação desses conteúdos? Será que a cada reexibição dessas obras tais profissionais recebem alguma remuneração adicional?

Utilizando por analogia o recorte do mercado da música, pioneiro na organização da gestão de direitos coletivos, para cada execução musical é recolhido junto ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) uma parcela dos rendimentos gerados, que será repassada aos autores e intérpretes através de suas respectivas associações. Esse rendimento extra advém da chamada execução pública, aqui entendida como um direito de remuneração adicional gerado a partir da execução de obras em locais de frequência coletiva, inclusive através da transmissão ou radiodifusão.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, seria natural imaginar que no audiovisual acontecesse da mesma forma, ou seja, que para cada nova exibição de uma obra audiovisual, os seus criadores recebessem uma determinada importância. Certo?

Bem, infelizmente, essa ainda não é uma realidade consolidada nesse segmento; seja pela impossibilidade logística de arrecadação decorrente da incipiente organização para gestão coletiva desses direitos; seja pela própria prática contratual desse mercado, no qual artistas e criadores usualmente cedem a integralidade dos seus direitos autorais, incluindo aqui a tal da execução pública.

O que ocorre é que cada ramo do mercado do entretenimento tem o seu próprio modus operandi e o que acontece especificamente no audiovisual é que os autores da obra transferem os seus direitos autorais, ou pelo menos a dimensão patrimonial deles, ao produtor audiovisual.

Isso se dá em razão do papel desempenhado pelo produtor audiovisual e, consequentemente, pela forma como a própria legislação enxerga esse personagem. Para ilustrar, de acordo com o artigo 5.º, inciso XI da Lei de Direitos Autorais (Lei n.º 9.610/1998), o produtor é “a pessoa física ou jurídica que toma a iniciativa e tem a responsabilidade econômica da primeira fixação do fonograma ou da obra audiovisual, qualquer que seja a natureza do suporte utilizado”. Ele é, portanto, o organizador administrativo-financeiro da obra audiovisual, ou seja, aquele que assume os riscos do negócio. Por isso, é a ele reconhecida a legitimidade do exercício de exploração econômica da produção audiovisual.

A referida dinâmica não decorre apenas de mera praxe de mercado. A garantia desses direitos por parte do produtor, peça fundamental na engrenagem do audiovisual, é também uma exigência do próprio sistema regulatório do audiovisual brasileiro, que coloca, por exemplo, como requisito à emissão do Certificado de Produto Brasileiro (CPB) – registro concedido pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) para reconhecimento formal de uma obra audiovisual brasileira – a apresentação pela produtora responsável das cópias dos contratos que comprovam a efetiva transferência em seu favor dos direitos patrimoniais da obra audiovisual.

Nessa linha de raciocínio, é possível concluir que, apesar de diretores, roteiristas, argumentistas, autores de trilha sonora original e atores, esses na dimensão do direito conexo, serem legalmente legitimados a receber valores oriundos de direitos de autor pela execução pública, via de regra e por força contratual não se encontram habilitados a efetuar tal cobrança.

Nesse contexto, e visando a uma transformação nesse cenário voltada a possibilitar esse justo recolhimento pelos artistas, o crescimento e a popularização das plataformas de streaming têm um papel importante, pois nunca antes foi possível que séries, filmes e novelas fossem reassistidos com facilidade a qualquer momento e sem limitação, como é feito atualmente. Portanto, não é mera coincidência que já há alguns anos o mercado venha se movimentando em prol da regulamentação da remuneração da execução pública do audiovisual.

O mais recente movimento sobre essa questão se deu com os últimos andamentos do Projeto de Lei n.º 2.370/2019, que busca alterar, atualizar e consolidar a legislação sobre os direitos autorais. Pelo que se percebe do inteiro teor da última proposta de redação, o legislador parece buscar reconhecer aos autores e intérpretes o direito de remuneração a cada execução pública da obra audiovisual, ainda que cedidos os seus direitos autorais ao produtor.

Por ora, nos resta aguardar o desenvolvimento dos próximos capítulos e torcer para que no próximo Natal esse recolhimento se torne uma realidade, como mais um incentivo para perpetuarmos a prazerosa tradição de reunir a família na noite do dia 24 de dezembro para maratonar filmes natalinos. E você, qual é o seu filme de Natal favorito?

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, ADVOGADA, MEMBRO EFETIVO DA COMISSÃO DE DIREITOS AUTORAIS, DIREITOS IMATERIAIS E ENTRETENIMENTO DA OAB-RJ; E ADVOGADA COM EXPERIÊNCIA NA ÁREA DE DIREITOS AUTORAIS, COM ENFOQUE NO RAMO DA MÚSICA E AUDIOVISUAL

Opinião por Carol Bassin

Advogada, é membro efetivo da Comissão de Direitos Autorais, Direitos Imateriais e Entretenimento da OAB-RJ

Maria Clara Fraga

É advogada com experiência na área de direitos autorais, com enfoque no ramo da música e audiovisual