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Opinião|Transporte rodoviário de passageiros

O setor é regulado pelo poder público e assim deve continuar. Mas há espaço para ampliar a competitividade natural entre os atores privados que o exploram

Por Sergio Avelleda

O transporte rodoviário de passageiros no Brasil tem uma natureza essencial para parcela significativa da população. O Brasil é um país de dimensões continentais que ressente a falta de uma malha ferroviária para o transporte de passageiros. Deveríamos morrer de vergonha ao constatarmos que temos apenas duas conexões de trens de passageiros de longa distância em todo o território nacional: a Estrada de Ferro Carajás e a Vitória a Minas. E pensar que há cem anos tínhamos dezenas de milhares de quilômetros de conexões ferroviárias. Como nação, este é um dos nossos maiores fracassos.

Restaram as conexões aéreas e rodoviárias. As conexões via aérea não se destinam à imensa maioria da população e, em curtas distâncias, nem são tão eficientes em termos de tempo e confiabilidade. Tem-se, então, que as viagens rodoviárias são elemento essencial de integração do território nacional e de possibilidade de mobilidade para a maior parcela da população.

Este é um setor que é regulado pelo poder público e assim deve continuar sendo. Não sou dos que advogam a completa liberalização do setor, como se o transporte de pessoas fosse apenas um negócio, um mero serviço privado que pode ser explorado de acordo com a lógica exclusiva de mercado. Não é. A Constituição federal deixa isso claro quando delega à União e aos Estados a titularidade do serviço e a tarefa de delegá-lo ao setor privado mediante regras e condições específicas.

A regulação é essencial para garantir a legitimidade, a capilaridade, a segurança e a confiabilidade do sistema. Este é um mercado que tem naturais desequilíbrios que não podem ser corrigidos com a simples atuação das leis de oferta e procura. Há cidades, por exemplo, que não têm demandas que justifiquem a instalação de linhas de ônibus. Contudo, isso não justifica que essas populações fiquem isoladas. É o Estado quem deve atuar para corrigir esses naturais desequilíbrios. Também não podem ficar a exclusivo critério do setor privado que tipo de ônibus será oferecido, os padrões de segurança e treinamentos dos motoristas. São elementos essenciais para garantir a segurança dos passageiros.

Como premissa essencial deste artigo, então, quero estabelecer que a presença do Estado e a regulação do serviço são comandos constitucionais que não podem ser afastados. E os objetivos da regulação devem ser, essencialmente, repito: garantir capilaridade, regularidade, atendimento de todas as demandas, garantias mínimas de qualidade e máximas de segurança.

Mas há muito espaço para incrementar uma competitividade natural entre os atores privados que exploram o serviço, com o objetivo de trazer inteligência, agilidade e competitividade logrando proteger os valores que mencionei acima.

Nos últimos anos o governo federal tem atuado para buscar o equilíbrio preconizado acima, sem se deixar levar pelos argumentos sofismáticos de renunciar a qualquer papel regulador. Não é tarefa fácil alcançar uma regulação que contemple a garantia da qualidade do serviço e, ao mesmo tempo, uma competitividade que incorpore certa lógica privada de competição.

O primeiro passo foi dado quando se instituiu um regime de autorizações que permitiu novos entrantes explorarem mercados que até então eram fechados a algumas empresas. A experiência foi bem-sucedida, sob a perspectiva do usuário. Em algumas linhas houve um incremento significativo de oferta, redução de preço e aumento do número de cidades atendidas. Ao mesmo tempo, não se tem notícia de empresas que foram à quebra ou insolvência.

Com esse modelo, o empresário precisa obedecer às diretrizes do setor público, ou seja, não pode fazer o que bem entender, garantindo qualidade e segurança, mas o incremento de competição levou à redução dos preços das passagens e incremento do atendimento.

Neste ano, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) lançou um importante debate sobre o detalhamento da regulação desse regime de autorizações. Há que registrar, positivamente, a iniciativa do órgão regulador em promover intenso debate entre todos os atores relevantes para a construção de um modelo que assegure os valores essenciais na defesa do interesse de quem mais importa: o passageiro.

É preciso que o modelo a ser implantado siga o passo de buscar não impedir a entrada de novos competidores nesse mercado nem promover uma completa desregulamentação do setor. O espaço é tênue e corre-se o risco de frustrar o objetivo desejado.

Deve-se buscar o aprimoramento do sistema de autorizações, assegurando que as empresas que demonstrem o atendimento dos padrões de segurança e qualidade possam disputar o mercado, garantindo a ampliação de oferta e competição saudável entre os ofertantes de viagens. Compete à agência exigir o atendimento não só das linhas tidas como lucrativas, mas também daquelas onde a demanda não gera tanto interesse aos transportadores.

Também se deve evitar que exigências outras sejam criadas de forma a inibir a entrada de novos competidores e terminar frustrando o maior objetivo do regime de autorizações: ampliar a oferta do serviço sem o Estado renunciar ao seu dever de proteger o passageiro, assegurando qualidade e segurança nas viagens.

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CONSULTOR EM MOBILIDADE URBANA, FOI SECRETÁRIO DE MOBILIDADE DA CIDADE DE SÃO PAULO

Opinião por Sergio Avelleda