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Opinião | Três cortes internacionais para a causa climática

Articulações jurídicas que ascenderam essa causa a três importantes tribunais internacionais são dignas de mérito

Por Lucas Carlos Lima
Atualização:

São raras as ocasiões em que cortes e tribunais internacionais têm a oportunidade de se pronunciar sobre os principais assuntos que concernem a comunidade internacional como um todo. No passado, órgãos judiciais internacionais já decidiram questões envolvendo a legalidade do uso de armas nucleares, a declaração de independência do Kosovo e as obrigações envolvendo o meio ambiente e direitos humanos. Neste momento, três tribunais internacionais diferentes podem oferecer decisões sobre uma mesma causa: as mudanças climáticas e as obrigações oriundas do Direito Internacional neste campo.

De um lado, um grupo de pequenos Estados insulares particularmente afetados pelo aumento do nível do mar intenta pedidos de pareceres consultivos perante dois tribunais internacionais: o Tribunal Internacional do Direito do Mar (TIDM), já acionado, com sede em Hamburgo, e a Corte Internacional de Justiça (CIJ), ainda a ser acionada, em Haia. O objetivo das ações é claro: pedir que esses órgãos jurisdicionais esclareçam as obrigações devidas pelos Estados quanto à emergência climática em que se encontra o planeta. Do outro lado, Chile e Colômbia submeteram à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), a Corte de San José, um pedido de parecer consultivo sobre as obrigações relativas a direitos humanos e mudanças climáticas. O Brasil é parte dos tratados fundantes dos três tribunais e poderá ser eventualmente impactado pelas decisões oferecidas pelas três cortes internacionais.

Pareceres consultivos são, por excelência, não obrigatórios. Em suma, os tribunais são consultados sobre o estado atual do Direito Internacional e as obrigações impostas aos Estados naquele exato momento histórico. Contudo, é difícil de contornar o fato de que as pronúncias dessas cortes são dotadas de grande autoridade e influenciam sobremaneira a percepção do direito e seu desenvolvimento futuro. Daí a importância da participação dos Estados na elaboração desses pareceres consultivos, submetendo às cortes e aos tribunais internacionais suas visões sobre o tema em questão.

Recentemente, o Brasil tem sido mais ativo ao participar de procedimentos consultivos, como se nota tanto perante a opinião relativa à descolonização do arquipélago de Chagos, na Corte Internacional de Justiça, quanto perante a Corte de San José – esta última com maior capacidade de influenciar o direito interno brasileiro em virtude das obrigações de direitos humanos e da prática de controle de convencionalidade.

Não se deve olvidar o fato de que existem pelo mundo milhares de querelas judiciais envolvendo o papel dos Estados e suas obrigações relativas à proteção do clima, ao direito humano ao meio ambiente saudável e até mesmo a noção de direito humano ao clima equilibrado. Os debates internos e internacionais se conectam.

Os pareceres consultivos em questão têm suas tecnicidades e particularidades condicionadas ao direito processual de cada um dos tribunais. Se num dos tribunais é possível tocar na questão de alteração de fronteiras marítimas em virtude do aumento do nível dos oceanos, no outro podem ficar claras quais são as obrigações de diligência que um Estado possui para proteger o direito humano ao meio ambiente saudável com ações de mitigação de danos climáticos.

Há muito em jogo, porque os processos negociais que conduziram ao direito internacional do clima que temos atualmente (tendo seu último desenvolvimento no Acordo de Paris e nas subsequentes Conferências do Clima – COPs) foram estrategicamente ambíguos ou silentes em relação a alguns temas cardinais que, por exemplo, dividem países em desenvolvimento e países desenvolvidos. Há mesmo quem sustente um dever dos Estados poluidores de oferecer reparações aos Estados-ilhas que estão perdendo seu território.

As articulações jurídicas que ascenderam a causa climática a três importantes tribunais internacionais são dignas de mérito e demonstram tanto a importância do multilateralismo quanto das instituições internacionais para auxiliar a resolver problemas globais e proteger bens jurídicos comuns da humanidade. Todavia, cabe aos Estados, ao formular suas políticas externas jurídicas, levarem seus interesses nacionais perante essas cortes e defenderem uma visão de Direito Internacional e da proteção da sustentabilidade.

O Brasil não foge a essa regra. Ao governo cabem duas decisões. A primeira, a de participação ou não nesses procedimentos; e a segunda, o conteúdo dos argumentos jurídicos a serem esposados. À sociedade civil compete, em especial em relação à Corte Interamericana, onde pode atuar como amicus curiae, uma atuação contundente na exposição elaborada e no estudo da relação jurídica entre clima e direitos humanos. É o momento adequado para ter a causa climática perante três cortes internacionais.

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PROFESSOR DE DIREITO INTERNACIONAL DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS (UFMG), PESQUISADOR VISITANTE NA UNIVERSITÉ PARIS I – PANTHEÓN SORBONNE, É MEMBRO DA DIRETORIA DO RAMO BRASILEIRO DA INTERNATIONAL LAW ASSOCIATION