A célebre frase proferida por sir James Mathew no século 19 — “Na Inglaterra, a justiça é aberta a todos, assim como o Hotel Ritz” — revela, com fina ironia, um paradoxo ainda atual e também aplicável ao Brasil. O acesso à Justiça não pode se limitar a uma promessa formal ou retórica. Trata-se de um direito fundamental que exige concretude, tempestividade e responsabilidade.
A litigância abusiva compromete gravemente essa missão: retira o foco da jurisdição de conflitos reais e legítimos, sobrecarrega o sistema com demandas artificiais, temerárias ou desleais e impacta negativamente a equidade e a credibilidade institucional.
Consciente disso, recentemente o Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região (TRT-2) deu um passo significativo no enfrentamento à litigância predatória ou abusiva ao publicar a Resolução GP n.º 1/2025. A norma foi aprovada pela Comissão de Inteligência e alinha-se às diretrizes do Conselho Nacional de Justiça (Recomendação n.º 159/2024) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (Resolução n.º 312/2021), com a finalidade de monitorar as demandas repetitivas ou de massa, propor soluções para os conflitos, prevenir futuros litígios e adotar as cautelas para evitar práticas abusivas que comprometam a prestação da tutela jurisdicional.
O direito de ação é cláusula pétrea da Constituição, mas não é absoluto. Conforme reconheceu o Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3995, o ordenamento jurídico pode — e deve — criar uma estrutura de incentivos e desincentivos compatível com os limites da litigiosidade socialmente tolerável.
A litigância abusiva representa, em essência, o desvio ou manifesto excesso dos limites impostos pela finalidade social, jurídica, política e/ou econômica do direito de acesso à justiça, comprometendo a capacidade de prestação jurisdicional e o acesso à justiça. Não é por outro motivo, aliás, que no direito estrangeiro tais demandas são referidas como frívolas, ou seja, aquilo que não se importa com algo sério ou que é fútil.
É importante reconhecer que essa conduta também pode partir do demandado, caracterizando a chamada “litigância abusiva passiva” ou “reversa”. Essa forma de abuso ocorre quando grandes litigantes descumprem decisões judiciais reiteradamente, ignoram jurisprudência consolidada ou participam de processos judiciais sem real intenção de solucionar o conflito. A Resolução do TRT-SP confere um tratamento equânime às partes, reconhecendo claramente que abusos processuais podem ocorrer tanto por parte de quem aciona quanto de quem se defende.
Destaco, ainda, que a mera repetição de demandas não caracteriza abuso. O que define a abusividade é a ausência de fundamento legal ou fático e o objetivo de prejudicar a outra parte ou obter vantagem indevida. Por isso, a norma utiliza os qualificativos “repetida” e “temerária” em conjunto, associando-os às finalidades espúrias, típicas da litigância abusiva.
O procedimento para apuração assegura as garantias do contraditório e da ampla defesa e respeita as atribuições de outros órgãos do sistema de justiça, como Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil, Advocacia-Geral da União, que podem ser chamados para atuação em rede para atingir a finalidade da norma, que não é sancionatória, mas pedagógica e preventiva.
A iniciativa do TRT da 2.ª Região vai além da mera identificação do problema, ao propor mecanismos efetivos voltados à transformação institucional. A Resolução recém-editada não se limita a estabelecer diretrizes normativas: ela materializa um compromisso com a integridade da jurisdição trabalhista, com a celeridade na prestação jurisdicional e com o fortalecimento da credibilidade do Poder Judiciário perante a sociedade.
Diante de um cenário marcado por crescente complexidade e sobrecarga, cabe às instituições judiciais assegurar um ambiente processual pautado na responsabilidade, na segurança jurídica e na centralidade do interesse público, orientado por princípios de ética e boa-fé.
A litigância ética e responsável continuará a encontrar, no TRT-SP, portas abertas, escuta ativa e compromisso institucional genuíno. Já os comportamentos abusivos enfrentarão resposta firme, madura e tecnicamente fundamentada.