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Opinião|Um futuro de sombra e água fresca

Oportunidades de crescimento residem no desenvolvimento de novas tecnologias, não no plantio de árvores na esperança de um mercado de carbono ainda indefinido

Por Felipe Buchbinder

A ideia é simples: nós plantamos as árvores e elas puxam o gás carbônico da atmosfera. A ideia, que parece ter saído da cabeça de uma criança, mora no coração dos especialistas: em artigo da revista Nature, dentre 43 estratégias possíveis para combater a mudança climática, soluções baseadas na natureza foram as que obtiveram um maior consenso quanto à sua efetividade. No outro extremo, ficaram soluções baseadas em mercado (como créditos de carbono). O problema destas soluções não é que elas sejam ineficazes, mas que suas eficácias dependem de uma costura política cujo resultado é incerto, ainda mais em escala global. Soluções baseadas na natureza, portanto, são uma solução mais segura.

Outro artigo pede cautela: o efeito do reflorestamento depende do local em que ele é realizado. Há locais em que o reflorestamento leva a um aumento (não redução) da temperatura global. Isso porque, ao cobrir a superfície terrestre com folhagem, absorve-se gás carbônico da atmosfera, mas se impede que a superfície reflita o calor de volta para o espaço. O resultado dessa contabilidade vai determinar se plantar (ou preservar) florestas resulta em uma redução ou aumento da temperatura global.

O cálculo é diferente para cada região, porque diferentes tipos de solo refletem o calor em maior ou menor medida. A neve e o gelo do norte do Canadá, por exemplo, refletem muita luz, funcionando como um espelho de calor. Um reflorestamento ali iria aumentar, não reduzir, a temperatura do planeta. Já o plantio de árvores no Brasil faz muito sentido. De fato, os biomas em que o plantio e a preservação de vegetação têm o maior impacto em termos de redução de temperatura são as florestas tropical e subtropical úmidas. O Brasil tem um exemplo desses biomas: a Floresta Amazônica.

Talvez este seja um bom momento para se abrir um vinho e comemorar. Afinal, estamos em uma posição privilegiada para ter um papel de destaque no combate às mudanças climáticas. O Brasil tem que manter e, preferencialmente, expandir sua cobertura florestal, para o bem do planeta.

A pergunta que fica é se o que é bom para o planeta também é bom para o Brasil. O enfrentamento às mudanças climáticas traz várias oportunidades de crescimento econômico, mas essas oportunidades residem na pesquisa e no desenvolvimento de novas tecnologias, não no plantio de árvores na esperança de um mercado de carbono ainda indefinido.

Se o diabo mora nos detalhes, mercados de carbono são o seu palácio: não faltam quartos para que ele se esconda. Se for um mercado regulado, quais as regras? Quem certifica a quantidade de emissões evitadas, e com que metodologia? Quem audita?

Não bastassem essas questões, um terceiro artigo trouxe uma informação adicional: a capacidade de uma floresta de absorver carbono da atmosfera diminui com o aumento da temperatura global. Isso sugere que estimativas de quanto de carbono um hectare de floresta consegue retirar da atmosfera estão possivelmente superestimadas. Se de fato estiverem, a implicação lógica é que a preservação (ou o plantio) de um hectare de floresta está sendo precificado acima do que ele de fato vale. O palácio do diabo não se ergue da rocha, mas flutua em uma bolha.

Se a bolha for real, quem se assusta quando ela estoura é quem acreditou que ela era sólida. Assusta-se quem investiu no plantio e na manutenção de florestas na crença de que seria bom não apenas para o planeta, mas também para si próprio. Quem investiu em energias renováveis e baterias continua vendendo suas tecnologias. Quem investiu em árvores, cata coquinho.

Sim, o Brasil deve investir no plantio e na preservação de suas florestas, assim como deve rentabilizar esse investimento recorrendo ao mercado de carbono. Esses investimentos trazem renda para populações locais, diversificam nosso portfólio de investimentos climáticos e são uma contribuição importante para os esforços globais de contenção da mudança climática. Mas preservar as florestas porque entendemos ser o correto a se fazer é muito diferente do que acreditar que nosso destino manifesto é exportar ar puro e importar tecnologia.

A necessidade de uma transição energética em nível global nos coloca em uma época de grande demanda por novas tecnologias. Épocas assim trazem oportunidades para que um país se desenvolva, desde que consiga prover as tecnologias demandadas pelo mundo. Para abraçar essas oportunidades, o Brasil precisa mapear as tecnologias verdes em que tem condições de competir internacionalmente e, tendo feito isso, identificar gargalos e endereçá-los. Se falta investimento à indústria, fornecer esses investimentos; se falta pesquisa, parear a indústria às universidades e direcionar as escolas de engenharia à produção de patentes de interesse industrial; se falta capacidade de escoamento, construir a infraestrutura necessária; e se falta confiança no Brasil, há que se perceber que desenvolvimento se constrói com investimento. Não dá em árvore.

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DOUTOR EM ADMINISTRAÇÃO PELA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (FGV), É PROFESSOR DA FGV, ONDE LECIONA O CURSO DE POLÍTICAS PÚBLICAS EM MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE

Opinião por Felipe Buchbinder

Doutor em Administração pela Fundação Getulio Vargas (FGV), é professor do curso de Políticas Públicas em Meio Ambiente e Sustentabilidade da FGV