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Opinião|Um novo pacto com a sociedade: o compromisso do Judiciário brasileiro com a linguagem simples

A linguagem simples e acessível não só facilita o entendimento das decisões judiciais, mas também fortalece a confiança da sociedade no sistema

Por Danielle Serafino

No cenário global, o movimento Access to Justice (A2J) tem se consolidado como uma resposta fundamental à necessidade de sistemas judiciais mais acessíveis e inclusivos. Essa iniciativa busca garantir que todos os cidadãos, independentemente de sua condição social ou nível de conhecimento jurídico, tenham o direito efetivo à Justiça. Nesse contexto, o Brasil se destaca implementando medidas inovadoras que visam a transformar a comunicação e o acesso aos serviços judiciais.

Em 2023, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizou a Pesquisa sobre Percepção e Avaliação do Poder Judiciário Brasileiro, que incluiu uma análise crítica da linguagem utilizada pelo setor. Os dados revelaram preocupantes índices de insatisfação em relação à compreensão dos processos jurídicos. Cerca de 41,4% dos respondentes discordaram em parte da afirmação de que a linguagem jurídica é de fácil entendimento, enquanto 23,5% discordaram totalmente. A falta de clareza na comunicação jurídica é um fator significativo que impacta o acesso à Justiça, já que 50% dos entrevistados concordaram plenamente que deixaram de buscar assistência judicial devido à complexidade do processo.

Esses resultados indicam a necessidade urgente de simplificação da linguagem jurídica e ressaltam a importância da acessibilidade na comunicação do setor, essencial para garantir que todos os cidadãos compreendam seus direitos e obrigações.

A instituição do Pacto Nacional pela Linguagem Simples, criado pelo CNJ em novembro de 2023, foi um grande passo para a ampliação da nova comunicação no Direito e visa a garantir que todas as partes da Justiça utilizem uma linguagem clara e de fácil entendimento nas decisões e interações com o público.

A adoção desse padrão se fundamenta em princípios internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Em consonância, a Constituição federal de 1988 assegura que todos tenham acesso à Justiça e à informação. Contudo, isso só se torna viável se a linguagem utilizada for compreensível, e os processos forem ágeis e incluírem recursos acessíveis, como a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a audiodescrição nos tribunais, garantindo que as pessoas possam efetivamente compreender e acessar os serviços judiciais.

Com o pacto, os tribunais passaram a incentivar juízes e setores técnicos a eliminarem termos desnecessários e formais, adotando linguagem direta e concisa em documentos e decisões. Também devem promover pronunciamentos claros e breves em eventos, reformular protocolos para evitar formalidades excessivas e garantir a acessibilidade para pessoas com deficiência, respeitando a dignidade de todos.

O trato contempla quatro eixos principais. O primeiro é a simplificação da linguagem, que busca descomplicar documentos judiciais e criar guias que expliquem termos técnicos essenciais. O segundo, brevidade nas comunicações, incentiva o uso de versões resumidas de votos e pronunciamentos breves em eventos. O terceiro é a educação e capacitação, que oferece formação a magistrados e servidores para elaborar textos acessíveis e campanhas sobre a importância do acesso à Justiça. O quarto, tecnologia da informação, visa a utilizar plataformas intuitivas e recursos audiovisuais para facilitar a compreensão das informações judiciais. Por fim, o eixo de articulação interinstitucional promove colaboração entre a sociedade civil, instituições e academia para disseminar a linguagem simples e criar uma rede de defesa dos direitos de acesso à Justiça.

Para reconhecer e incentivar o uso da nova linguagem nos tribunais, o CNJ criou o Selo Linguagem Simples por meio da Portaria n.º 351/2023, concedido anualmente em outubro, durante o Dia Internacional da Linguagem Simples.

Em 2024, o CNJ orientou os tribunais a adotarem um modelo padronizado para a elaboração de ementas em decisões colegiadas (acórdãos), que resumem tudo o que foi decidido sobre o conflito em questão e são compostas por cinco partes: cabeçalho conciso, breve descrição do caso, identificação clara das questões discutidas, solução proposta e dispositivo ou tese, que sintetiza a conclusão do julgamento. A recomendação inclui ainda um manual detalhado para a implementação desse modelo em todos os segmentos do Poder Judiciário.

Além disso, os tribunais têm utilizado novas tecnologias, como inteligência artificial, para traduzir e resumir decisões judiciais; adotado uma linguagem mais acessível em notificações e intimações; criado guias e glossários que explicam expressões jurídicas. Outro movimento foi o lançamento da campanha #SimplificaAí pelo CNJ, divulgada semanalmente via Instagram, cujo foco é a tradução de termos jurídicos, explicando seus significados de forma clara.

A linguagem simples e acessível não só facilita o entendimento das decisões judiciais, mas também fortalece a confiança da sociedade no sistema, reforçando a convicção de que a Justiça deve ser um direito de todos, não um privilégio de poucos. A experiência do jurisdicionado emerge como um mantra atual, em que o foco na clareza e na acessibilidade não apenas aprimora a interação com o sistema judicial, mas também coloca o cidadão no centro das decisões e processos, garantindo que suas necessidades e expectativas sejam devidamente atendidas.

O novo pacto do Judiciário brasileiro com a sociedade não se limita a uma mudança na forma de comunicação, mas representa um passo significativo rumo a uma Justiça mais inclusiva e democrática.

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ADVOGADA, PROFESSORA, PALESTRANTE, É ESPECIALIZADA EM INOVAÇÃO JURÍDICA

Opinião por Danielle Serafino

Advogada, professora, palestrante, é especializada em inovação jurídica