Falta pouco tempo para as eleições municipais, e a saúde, mais uma vez, ganhará destaque como um dos principais temas que irão decidir os votos. Na maioria das vezes, o acesso mais direto da população aos serviços públicos acontece primeiro por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), e isso explica sua enorme importância nas eleições. Nesse contexto, também ganharam relevância as propostas para saúde mental. Mas ainda há muito o que se avançar.
No Brasil, saúde e democracia andam lado a lado. Delas, nasceu a reforma psiquiátrica, alinhada ao processo de redemocratização do País e da garantia da saúde como um direito, que redirecionou o modelo de assistência à saúde mental e vem sendo utilizada como instrumento para promover o cuidado comunitário e em liberdade na Rede de Atenção Psicossocial (Raps) – sobretudo incluindo as pessoas com transtorno mental como protagonistas em seu tratamento. Um voto na promoção da saúde mental para a população deve considerar, primeiramente, a ampliação da participação social e da cidadania.
O que prefeitos e vereadores podem fazer pela saúde mental?
A implementação e a gestão do SUS são obrigações das municipalidades, que devem estar integradas às ações das demais esferas de governo na elaboração e execução de políticas que garantam à população o acesso universal e igualitário à saúde. Entre as responsabilidades municipais estão também ações de prevenção, sobretudo na atenção primária, e a vigilância sobre os dados epidemiológicos.
Para além da necessária consolidação da Rede de Atenção Psicossocial, existem outras dificuldades colocadas para os municípios. De acordo com os dados do Ministério da Saúde de 2019, mais da metade das nossas cidades não tem um Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Essa realidade é ainda mais desafiadora em municípios de pequeno porte. Isso porque, atualmente, os Caps só podem ser instalados em cidades com populações maiores que 20 mil habitantes. Mas, segundo o Censo de 2022, são 3.935 cidades com menos habitantes do que o necessário para se ter um Caps. Esses municípios representam 70,6% do total de municípios brasileiros. Estamos falando de 33,5 milhões de pessoas que podem não ter acesso a um Caps.
Ao mesmo tempo em que deve ser ampliado o protagonismo das pessoas com transtorno mental na política pública, é necessário aproximar a atenção primária da saúde mental e cobrar propostas dos candidatos para isso. A Atenção Primária à Saúde (APS), representada pelas Unidades Básicas de Saúde, Núcleos de Apoio à Saúde da Família, Consultórios de Rua, Centros de Convivência e Cultura, entre outros, é tanto porta de entrada no SUS quanto um espaço privilegiado para prevenção e acolhimento da pessoa em sofrimento. Saúde mental na atenção primária significa saúde mental no cotidiano da comunidade. Isso pode se dar através do acolhimento de transtornos mentais comuns, identificação precoce de transtornos mentais graves, manejo de pacientes psiquiátricos estáveis, referência para outros níveis de atenção quando necessário, entre outras ações.
Entre as principais orientações do Ministério da Saúde e de órgãos multilaterais, como a Organização Mundial da Saúde, há um reconhecimento desse papel fundamental da saúde mental na APS. No entanto, apesar de não estarem estabelecidos limites claros de competência entre a APS e os Caps, por exemplo, é importante que se promova a articulação entre eles e o consequente fortalecimento do SUS. Aprimorar as políticas de acolhimento é ampliar a participação popular e o controle social.
Votar em candidatos que se comprometem com a ampliação da participação social na consolidação do SUS e do exercício de cidadania das pessoas com transtorno mental é o caminho para que saúde mental seja prioridade nos municípios brasileiros. Nestas eleições, vamos votar em quem pode melhorar a saúde mental da população.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PSICÓLOGO, DOUTOR EM POLÍTICAS PÚBLICAS, SECRETÁRIO-EXECUTIVO DA FRENTE PARLAMENTAR MISTA PARA A PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL; ADMINISTRADORA PÚBLICA, DOUTORA EM SAÚDE COLETIVA, GERENTE DO PROGRAMA DE SAÚDE MENTAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DO INSTITUTO DE ESTUDOS PARA POLÍTICAS DE SAÚDE (IEPS); E CIENTISTA SOCIAL, BACHAREL EM DIREITO, ESPECIALISTA EM DIREITO SANITÁRIO, DIRETORA DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS DO IEPS