Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião | Uma andorinha só pode fazer verão?

Fundo Sempre Sanfran é um projeto coletivo que permite trabalhar, de modo perene, para a Faculdade de Direito da USP e em benefício da comunidade franciscana

Por Barbara Rosenberg, Floriano Azevedo Marques e Paulo Todescan Lessa Mattos

A Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), tem uma longa tradição de vínculo afetivo com seus egressos. Mais recentemente, essa tradição se converteu numa prática da cultura, tão disseminada nos Estados Unidos e na Europa, de transformar esses vínculos na participação em programas ou fundos, criados por eles próprios, para financiar programas que beneficiem a comunidade universitária e que possam, entre outros, apoiar novos alunos menos favorecidos economicamente. A iniciativa, de antigos estudantes e jovens recém-formados que usufruíram do ensino de alta qualidade custeado por recursos públicos – portanto, de todos nós, contribuintes –, é um reforço para ampliar e democratizar o efetivo acesso ao ensino público de referência.

Neste espírito, foi criado em fevereiro do ano passado, por antigos alunos do Largo São Francisco, o Fundo Sempre Sanfran. Este nome foi escolhido porque manda a tradição que não há ex-alunos da São Francisco, apenas antigos alunos. Uma vez estudante de Direito na USP, sempre estudante da Sanfran, apelido carinhoso dado à faculdade.

Desde sua concepção, a proposta do fundo de endowment foi a de criar um projeto coletivo que permita trabalhar, de modo perene, para a faculdade e em benefício da comunidade franciscana.

Acreditamos numa faculdade diversa e inclusiva, na qual os estudantes cotistas possam não apenas entrar, mas, especialmente, permanecer. Acreditamos numa faculdade comprometida com pesquisa e extensão, na qual se produza conteúdo e que impacte a realidade do País; e, certamente, isso só é possível se a faculdade tiver uma estrutura adequada. Com essas três vertentes em mente, o Sempre Sanfran iniciou a captação de recursos para financiar projetos, engajando o espírito franciscano e olhando para o futuro.

A primeira leva de captação foi feita a partir de um grupo de cem ex-alunos e o valor teve uma simbologia: cada fundador doou R$ 185 mil, quantia que representa o custo de um aluno na USP para se formar na São Francisco em cinco anos. Desse montante, já foram recebidos pouco mais de R$ 8 milhões, e outros R$ 10,5 milhões estão compromissados para entrar até 2025. Agora, serão iniciadas novas campanhas de captação, e todos os montantes doados são da maior relevância.

Sabemos que, para viabilizar a captação de recursos e permitir sua melhor alocação, é essencial ter um modelo que esteja de acordo com as melhores práticas de governança e de gestão financeira. Para tanto, estamos estruturados em quatro comitês (Projetos, Captação, Governança e Investimentos), que contam com a dedicação de antigos alunos e voluntários. Além disso, o fundo já dispõe de assessoria financeira do UBS e tem as suas contas auditadas por uma consultoria internacional de forma pro bono.

Em março, o Sempre Sanfran concluiu a seleção dos primeiros projetos, que receberão recursos correspondentes a R$ 200 mil. Por ocasião do primeiro edital, 16 propostas relevantes e meritórias foram inscritas, o que revela o tanto que há por fazer.

As cotas mudaram a realidade da faculdade. A permanência do estudante até a conclusão do curso é tema prioritário. A Faculdade de Direito da USP recebe atualmente 460 alunos por ano, 50% cotistas oriundos de escolas públicas. Destes, 30% são pretos, pardos ou indígenas. Embora a evasão entre esses alunos seja inferior à média, a permanência de boa parte deles envolve sacrifícios e muitos se veem obrigados a estagiar já no primeiro ano do curso, inviabilizando a dedicação exclusiva ao estudo.

Tendo isso em mente, dois dos projetos contemplados pelo primeiro edital atuam diretamente para viabilizar a permanência acadêmica de alunos de baixa renda. O Adote um Aluno oferece bolsa complementar à oferecida pela própria USP. O Projeto de Promoção à Dedicação Acadêmica (PPDA) busca promover a formação acadêmica, permitindo que alunas e alunos de baixa renda tenham acesso ao mesmo tipo de oportunidades de pesquisa dos demais estudantes. Também terão apoio o Departamento Jurídico XI de Agosto, que presta apoio jurídico gratuito para a comunidade e receberá recursos para a compra de computadores. E, na vertente acadêmica, que busca fomentar a pesquisa e a extensão, foi agraciado o projeto do Laboratório de Governo da USP (LabGovUSP), que tem como objetivo contribuir para o aperfeiçoamento das instituições públicas brasileiras, estimulando boas práticas de governança.

Num país tão desigual, o Sempre Sanfran dá uma oportunidade àqueles que devem tanto à faculdade de reverter um pouco para que novos alunos também se formem e se realizem. Pode parecer pouco, mas em si e no conjunto é muito. Retribuir à Sanfran o que ela nos proporcionou é, mais do que uma obrigação, uma honra e um privilégio, que fomenta nossa ideia de pertencimento, legado e gratidão. Certamente, o fundo será capaz de despertar, sensibilizar e inspirar outros à sua volta e fazer surgir muitos outros companheiros de viagem imbuídos da mesma missão. Essa é uma convicção do Sempre Sanfran.

*

SÃO, RESPECTIVAMENTE, EX-ALUNA DA FACULDADE DE DIREITO DO LARGO SÃO FRANCISCO, FUNDADORA DO FUNDO SEMPRE SANFRAN E PRESIDENTE DE SEU CONSELHO; EX-ALUNO E DIRETOR DA FACULDADE DE DIREITO DO LARGO SÃO FRANCISCO, FUNDADOR DO FUNDO SEMPRE SANFRAN, MINISTRO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE); E EX-ALUNO DA FACULDADE DE DIREITO DO LARGO SÃO FRANCISCO, FUNDADOR E CONSELHEIRO DO FUNDO SEMPRE SANFRAN

Opinião por Barbara Rosenberg, Floriano Azevedo Marques e Paulo Todescan Lessa Mattos