A reforma administrativa de 1995, no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, pretendeu preparar o País para as mudanças significativas decorrentes do fim da guerra fria, da queda do Muro de Berlim e do revigoramento das relações econômicas internacionais que ficaram conhecidas como globalização. A criação de agências para setores específicos da atividade econômica privada atendeu a esta lógica: preparar o Brasil para a ampliação da presença da iniciativa privada em setores até então de amplo domínio da administração pública. As agências teriam, assim, de cumprir o papel de equilíbrio entre os interesses econômicos das empresas, as necessidades dos consumidores e a proteção do interesse público.
Para garantia da eficiência de suas atividades, as agências reguladoras precisam atuar na proteção da concorrência e do consumidor coletivo para minimizar as falhas de mercado, e também precisam evitar que ocorram falhas de governo.
A saúde suplementar, assim como tantos outros setores regulados por agências, precisa atender a necessidades técnicas que viabilizem sua atuação. Aliás, são as especificidades técnicas que tornam tão complexa a atuação das agências reguladoras e as fazem viver entre críticas e julgamentos, muitos dos quais precipitados e, por vezes, desprovidos de boa-fé.
Ignorar a necessidade de suporte técnico das atividades reguladas é desqualificar a complexidade delas, e esse caminho, prova a experiência, é sempre bastante temerário.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) convocou a sociedade brasileira para apresentar sugestões a uma tomada pública de subsídios para regulação de vários temas que há muitos anos precisavam ser regulados ou revisados e não o foram. Temas que são essenciais como equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, em especial, os mais antigos que muitas vezes têm sido sustentados por contratos mais novos e coletivos; instrumentos para estimular a racionalidade do acesso à saúde que têm demonstrado cumprir muito bem esse papel, conforme análise de experiências internacionais de países que utilizam a coparticipação e a franquia; ampliação da contratação online de forma facultativa; oferta de planos exclusivamente ambulatoriais, que, inclusive, poderão contribuir para dar mais segurança e qualidade aos contratantes que, na atualidade, utilizam amplamente serviços prestados por empresas não reguladas e que oferecem consultas e exames com custo mais acessível.
Foi realizada audiência pública para debater todos esses temas relevantes e as ideias apresentadas estão sendo analisadas pela agência reguladora. Na sequência, os mesmos temas foram colocados em tomada pública de subsídios para receber contribuições da sociedade brasileira. Consumidores, operadoras de saúde, prestadores de serviços, fornecedores, cidadãos, todos sem exceção tiveram direito de se manifestar livremente, fazendo valer o espírito republicano que inspira a democracia.
É preciso compreender que, em tempos de novas tecnologias em saúde e longevidade da população, a responsabilidade com o equilíbrio econômico-financeiro da mutualidade é muito maior e, exatamente por isso, serão necessários novos instrumentos, bem como adequações regulatórias, para viabilizar a continuidade do acesso à saúde pelos contratantes – beneficiários e empresas – de planos de saúde.
O debate sobre a viabilidade da implementação desses novos instrumentos não pode ser motivo de assombro ou de crítica desprovida de fundamentação técnica. Ao contrário, o que se espera de todos que têm responsabilidade é que contribuam para o aprimoramento do setor, que participem do diálogo com a ANS e que respeitem a estrutura técnica essencial para a manutenção dos fundos mutuais que pertencem aos beneficiários de planos de saúde. Sem respeito às exigências técnicas para a sustentabilidade da saúde suplementar, o debate perde em qualidade e utilidade.
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ADVOGADA NA ÁREA DE DIREITO DE SEGUROS E SAÚDE SUPLEMENTAR, É PÓS-DOUTORA EM DIREITO CONSTITUCIONAL, DOUTORA EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO E MESTRE EM DIREITO CIVIL