A degradação e o esvaziamento das áreas comerciais dos centros históricos são desafios enfrentados por várias cidades brasileiras. Muitos centros urbanos exibem altas taxas de imóveis vagos ou subutilizados, agravadas por mudanças estruturais, como a migração de empreendimentos para áreas mais novas, o crescimento do comércio online e a queda na ocupação dos prédios comerciais – questões que afetam também a preservação do patrimônio histórico e a qualidade do espaço urbano.
Para combater esses problemas, várias iniciativas têm sido lançadas pelo poder público para a revitalização das áreas centrais das cidades. Embora meritórias, essas tentativas têm sido pontuais, sem alterar de forma significativa a estrutura econômica dessas regiões.
Nesse contexto, um novo modelo de revitalização urbana propõe a criação das Áreas de Revitalização Compartilhada (ARCs). Esse conceito estabelece uma governança colaborativa entre o poder público, a sociedade civil e a iniciativa privada, promovendo soluções urbanas sustentáveis, inspiradas nos Business Improvement Districts (BIDs) internacionais – um sistema que já se mostrou eficaz em várias partes do mundo.
Os BIDs surgiram no Canadá na década de 1960, como resposta ao declínio das áreas comerciais tradicionais. Em Toronto, a primeira Business Improvement Area (BIA) permitiu que comerciantes locais contribuíssem coletivamente para a revitalização de suas áreas. Hoje, são 84 BIAs que geram e investem recursos em melhorias urbanas na cidade.
Nos Estados Unidos, Nova York se destaca com 76 BIDs, que investem anualmente US$ 187 milhões na melhoria de bairros, gerando impactos urbanísticos e econômicos. Estudos indicam que a presença de BIDs pode aumentar o valor das propriedades em até 40 pontos porcentuais.
A África do Sul também adotou o modelo, com mais de 30 BIDs na Cidade do Cabo focados na segurança pública e na valorização dos imóveis. O modelo de governança compartilhada entre associações locais e o governo municipal se mostrou eficaz em proporcionar uma administração mais democrática e participativa.
Para entender o conceito, pode-se pensar nos shopping centers, que são administrados por uma entidade responsável por alugar espaços a diversos inquilinos. Os inquilinos pagam uma taxa para cobrir a manutenção das áreas comuns e financiar atividades de divulgação. Esse princípio é aplicado aos BIDs, fornecendo serviços complementares aos oferecidos pelos governos locais.
A adaptação desse modelo para o contexto brasileiro sugere a utilização de incentivos fiscais similares aos da Lei Rouanet (lei federal de incentivo à cultura), aplicados ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) ou ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Proprietários e locatários de imóveis em ARCs poderiam destinar parte do imposto devido para financiar melhorias urbanas, beneficiando-se de uma isenção correspondente. Isso garantiria que os fundos fiscais fossem utilizados para melhorias tangíveis na própria ARC, atraindo empresas e melhorando a qualidade geral da área, sem onerar o município.
A gestão das ARCs seria híbrida, unindo esforços públicos e privados. Proprietários e empresários locais formariam uma associação sem fins lucrativos para administrar os recursos, aplicando-os em projetos de zeladoria, manutenção e revitalização urbana, previamente aprovados pela prefeitura. O objetivo é criar um ambiente urbano mais agradável e funcional para moradores, trabalhadores e visitantes.
As vantagens desse modelo são muitas. Ele pode revitalizar a economia local, incentivando a abertura de novos comércios e a ocupação de imóveis vazios. Além disso, promove o engajamento cívico ao dar voz aos moradores e comerciantes na gestão de suas áreas. A focalização de recursos permite melhorias na infraestrutura local, como reformas de calçadas, instalação de mobiliário urbano e infraestrutura de segurança pública. A estética da cidade também se beneficia com ações de paisagismo, arte pública e recuperação de fachadas.
A implementação das ARCs não só melhora a qualidade do espaço urbano, mas também fomenta a economia local e o engajamento da sociedade civil. Exemplos bem-sucedidos, como a Rua Oscar Freire em São Paulo, mostram que uma gestão compartilhada pode trazer benefícios reais, atraindo turistas e aumentando o faturamento do comércio local.
A proposta é juridicamente viável e compatível com a legislação brasileira, podendo ser implementada por meio de parcerias público-privadas já previstas em leis federais. Para viabilizar o financiamento de ARCs por meio de compensação de parte do IPTU ou do ISSQN, as Câmaras Municipais podem aprovar leis específicas, estabelecendo um novo paradigma de governança urbana – uma estratégia que pode efetivamente melhorar a qualidade do espaço urbano nas cidades brasileiras.
*
MESTRE EM URBANISMO E ESPECIALISTA EM POLÍTICAS PÚBLICAS E GESTÃO GOVERNAMENTAL