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Opinião | Universidade pública, patrimônio do povo

Mesmo sob ataque, ela é reconhecida pela população brasileira como essencial ao País

Por SORAYA SOUBHI SMAILI

Por mais que sofram cortes, reduzam fortemente sua expansão, sofram ataques à autonomia pedagógica (garantida pela Constituição federal no artigo 207), sejam tidas como onerosas e recebam pressão para que cobrem mensalidades, as universidades públicas brasileiras seguem reconhecidas pela população como fundamentais ao desenvolvimento nacional. Referência na formação de bons profissionais e cidadãos, são – cada vez mais – consideradas democráticas e plurais. A população quer que as universidades públicas continuem crescendo e que o orçamento público seja dirigido à educação pública, e não ao financiamento do setor privado. Esses são alguns resultados da pesquisa de opinião realizada pela Idea Big Data em maio, com 2.168 entrevistados em todo o Brasil.

A pesquisa colabora para derrubar alguns mitos que circulam na mídia, disseminados pelos que as consideram ineficientes e “esquerdistas”. Apesar da grande expansão do ensino superior privado nos últimos anos, com muita publicidade e subsídio (os números do Fies cresceram exponencialmente), as universidades públicas (federais, estaduais e municipais) são vistas por 81% da população como as melhores do País. Reconhecimento comprovado em todos os rankings, nacionais e internacionais. Nas últimas avaliações dos dois principais rankings internacionais, 17 das 20 universidades brasileiras mais bem colocadas são públicas (QS Ranking 2018 e Times High Education 2017). A diferença não é apenas em sala de aula, as universidades públicas são as que produzem pesquisa em maior volume e impacto, fomentam o avanço da ciência brasileira, dialogam com os problemas da população na extensão universitária e prestam serviços públicos de qualidade – em seus hospitais, por exemplo.

Dos entrevistados na pesquisa, 90% consideram que as universidades públicas formam bons profissionais e 83% avaliam que, além disso, formam bons cidadãos. Em perspectiva mais ampla, 90 % entendem que elas são fundamentais para o desenvolvimento do País. Não é apenas uma questão de opinião, as universidades têm sido fundamentais para diversos avanços científicos e a implementação de políticas públicas no Brasil, da vacina contra o zika vírus à bioequivalência, que permitiu a regulamentação dos genéricos, do desenvolvimento dos biocombustíveis à descoberta do pré-sal, do genoma, de formas de controle do desmatamento na Amazônia e de proteção das populações originárias, da criação das incubadoras de novas empresas às tecnologias sociais em áreas vulneráveis, do reconhecimento de nosso patrimônio cultural às interpretações da formação social brasileira, etc.

As universidades públicas também deixaram de ser vistas apenas como espaço das elites: 69% consideram que essas instituições estão promovendo a inclusão social e 65% julgam que a política de cotas nas universidades federais foi bem-sucedida, tendo ampliado o acesso. Essa democratização da universidade é vista positivamente, porquanto 69% consideram que o acesso da população antes excluída não afeta a qualidade do ensino. De fato, não afetou na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde estudos de progresso têm mostrado que os estudantes de cotas têm desempenho semelhante ao de não cotistas.

Todavia 86% consideram que o acesso às universidades públicas é difícil se comparado ao oferecido pelas particulares, por isso 90% defendem a continuidade da expansão de vagas públicas. O Plano Nacional de Educação (PNE) prevê que as vagas públicas deveriam chegar a 40% da oferta no ensino superior. Contraditoriamente, a política desenvolvida tem levado a uma diminuição do número de vagas, que hoje representam 27%, com tendência de queda.

O PNE foi retirado, desde 2017, da Lei de Diretrizes Orçamentárias do governo federal, fato que será agravado pela Emenda Constitucional n.º 95/2016, do teto de gastos. A pesquisa também aborda os cortes determinados pela emenda: 82% acham que isso deve precarizar o sistema público e 71%, que vai beneficiar o setor privado. Os entrevistados entendem que os dois principais adversários das universidades públicas no Brasil são os donos das universidades privadas e o próprio governo federal. É marcante observar ainda que a maioria rejeita a cobrança de mensalidades – 83% são contra – como solução.

A universidade pública tem como premissa a autoavaliação permanente. Por isso é importante verificar alguns dos pontos a serem analisados para uma ressignificação, como o fato de que 62% consideram que elas estão subordinadas a interesses de seus empregados e 57% que atendem a interesses de políticos. Por isso deve ter uma lógica de isenção e de autonomia em relação a partidos e governos. Há uma preocupação de 54% com o impacto das greves na suspensão de aulas, e isso depende mais das políticas implementadas por governos. Por outro lado, é preciso evitar ambientes acadêmicos que, embora produtivos, sejam pouco abertos ao diálogo com a sociedade. Excelência acadêmica deve combinar-se com relevância social. É preciso fortalecer os laços e formas de interlocução com a sociedade, numa universidade que se questiona, avança, evolui.

A pesquisa demonstra a importância, o reconhecimento e apoio que as universidades públicas têm no País. Nem por isso estão acomodadas; ao contrário, o ambiente universitário propicia e estimula o diálogo e a ação. É o que faz a universidade ter perenidade, produzir conhecimento e melhorar a condição humana de gerações e gerações. A universidade pública brasileira está cada vez mais em consonância com o tempo, refletindo os anseios da sociedade, lutando pela contínua expansão e ampliando sua democratização para que o ensino superior seja, de fato, um direito de todo cidadão brasileiro.

* SORAYA SOUBHI SMAILI É PROFESSORA DA ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA, REITORA DA UNIFESP

Opinião por SORAYA SOUBHI SMAILI