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Opinião | Voto de Toffoli desafia bom senso

Decisão no julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet representa um retrocesso preocupante para o ecossistema online e para a própria democracia brasileira

Por Henrique Zétola e Jamil Assis

Há quem elogie o voto do ministro Dias Toffoli sobre o Marco Civil da Internet. Essa não deveria ser a avaliação de quem entende do assunto – seja à direita ou à esquerda. Sob uma perspectiva técnica e alinhada aos valores promulgados pelos nossos constituintes, a decisão de Toffoli no julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet representa um retrocesso preocupante para o ecossistema online e para a própria democracia brasileira.

O artigo 19 nunca representou um salvo-conduto para as plataformas digitais ignorarem conteúdos ilícitos. Ao contrário, a norma se fundamenta numa lógica de equilíbrio: responsabilizar empresas quando, cientes de uma decisão judicial, se omitem em agir. Essa configuração não é um privilégio para as plataformas, mas uma garantia para a sociedade de que decisões sobre remoção de conteúdos respeitam o devido processo legal, protegendo tanto vítimas quanto o direito à livre manifestação.

A decisão de Toffoli se distancia das boas práticas internacionais adotadas por democracias consolidadas. Países como os Estados Unidos, Reino Unido e os integrantes da União Europeia adotam modelos que conciliam proteção de direitos com a garantia de um ambiente digital saudável e plural. Nesses países, é comum que as plataformas só possam ser responsabilizadas após serem formalmente notificadas e falharem em agir. Essa abordagem reconhece a impossibilidade técnica e os riscos de exigir monitoramento ativo de todo o conteúdo publicado, priorizando a transparência e o respeito às liberdades individuais. Ao romper com esses parâmetros democráticos, o Brasil corre o risco de se aproximar de Rússia, Turquia e China.

Ao afirmar que “salvar o espírito do 19″ seria manter uma “aberração jurídica no ordenamento jurídico brasileiro” favorável às big techs, Toffoli confunde o papel das plataformas enquanto intermediárias. Seu voto transforma provedores de aplicação em vigilantes digitais, responsáveis por monitorar ativamente bilhões de conteúdos gerados por terceiros, sob pena de serem responsabilizadas mesmo antes de qualquer notificação ou ordem judicial. Tal imposição terceiriza para o setor privado a função do Judiciário do que pode ou não ser dito no espaço virtual.

Mais alarmante, porém, é o trecho em que o ministro determina que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) “criará o Departamento de Acompanhamento da Internet no Brasil (DAI), para monitorar o cumprimento desta decisão e o respeito aos direitos fundamentais na internet”. O DAI seria responsável por, entre outras coisas, embasar “estratégias legislativas e políticas públicas”. Sob o pretexto de combater a desinformação e “melhorar o meio ambiente digital”, o Supremo avança ainda mais em sua ingerência nas competências do Legislativo, estabelecendo um modelo de supervisão que centraliza poderes perigosamente.

O histórico de abusos em regimes autoritários deveria servir de alerta. Uma estrutura como a sugerida por Toffoli traz implicações óbvias para a liberdade de expressão e o pluralismo. A “colaboração” proposta entre o CNJ, o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o DAI reforça o risco de que a supervisão se transforme em controle, inaceitável numa democracia. Além disso, as próprias bases da decisão são frágeis: conceitos como “notícias notoriamente inverídicas” ou “gravemente descontextualizadas” abrem margem para interpretações arbitrárias que podem silenciar debates legítimos e críticos ao poder.

A decisão não afeta apenas big techs, mas sim todo e qualquer provedor de aplicação de internet. Pequenas plataformas, que já enfrentam dificuldades operacionais, serão esmagadas pelas exigências desproporcionais de monitoramento e responsabilização. Em última instância, isso comprometerá a diversidade das redes no Brasil, tornando-as mais homogêneas, menos vibrantes e mais controladas, afastando o País do ideal de um espaço online inclusivo e democrático.

Enquanto isso, o Congresso Nacional, que poderia avançar no debate sobre a procedimentalização e a transparência da moderação de conteúdo – debate implodido por interesses corporativos no PL 2630, inclusive de setores da imprensa –, agora será forçado a recuar para recuperar as conquistas do Marco Civil da Internet. A PEC 67/2023, de autoria do senador Rogério Marinho, e a emenda proposta pelo senador Marcos Rogério, que visa a constitucionalizar o artigo 19 do Marco Civil, surgem como caminho para proteger a liberdade de expressão e restabelecer os parâmetros democráticos do debate público.

O Marco Civil da Internet, reconhecido mundialmente por seu equilíbrio, já foi desmantelado em um único voto, que desprezou sua complexidade e as salvaguardas que ele representava. Não há avanço na substituição do diálogo democrático por imposições judiciais. Cabe ao Congresso reassumir seu papel de protagonista neste tema e garantir que o Brasil não perca de vista os princípios que sustentam tanto a liberdade quanto a democracia.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, COFUNDADOR E DIRETORES DO INSTITUTO SIVIS

Opinião por Henrique Zétola

Cofundador e diretor do Instituto Sivis

Jamil Assis

Diretor do Instituto Sivis