O Supremo Tribunal Federal (STF) perdeu uma ótima oportunidade de sinalizar à grande parcela da sociedade que passou a ver com desconfiança a atuação da Corte que não é, como parece ser, uma espécie de instância superior de decisões políticas – ou seja, um tribunal parcial. Não é de hoje que o STF abriu mão da prudência republicana. Mas, como o 7 de Setembro deixou claro, nada indica, ao contrário, que a Corte esteja genuinamente interessada em retomar o bom trilho da autocontenção.
Sobrepondo seus interesses políticos à institucionalidade, o presidente Lula da Silva convidou o ministro do STF Alexandre de Moraes para figurar na primeira fileira do palanque de autoridades na celebração oficial da Independência, em Brasília. Tratou-se de um inequívoco gesto de desagravo a Moraes, que, horas depois, a cerca de mil quilômetros dali, seria hostilizado por Jair Bolsonaro e seus apoiadores na Avenida Paulista.
Lula da Silva fez o que dele se esperava. O petista usou a deferência a Moraes – na prática, tratado como chefe de Poder – para alimentar a renhida polarização com Bolsonaro, que tanto interessa a ambos. Mas não é improvável que o próprio ministro do STF também tenha usado o convite para demonstrar força política, o que, por óbvio, não se coaduna com a conduta esperada de qualquer magistrado que se pretende sério e justo.
A força de Moraes, ou a de qualquer juiz, seja qual for seu grau de jurisdição, advém fundamentalmente de sua imparcialidade e da acuidade jurídica de suas decisões, ainda que delas se possa discordar. Um juiz não é mais “forte” ou mais “fraco” por sua capacidade de granjear apoios em torno de sua figura. Evidentemente, recusar o convite do presidente da República seria uma desfeita inconcebível. Mas Moraes poderia ter optado por ficar ao lado de seus colegas de STF em fileiras mais afastadas da principal, reservada tradicionalmente aos chefes dos Três Poderes, ao ministro da Defesa e aos comandantes das Forças Armadas.
Mas Moraes não apenas se postou ao lado de Lula da Silva e do presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, como ainda se deixou fotografar com eles, com a evidente intenção de transmitir ao País um sinal de que suas decisões, por mais controvertidas que sejam, contam com o respaldo dos chefes dos Poderes Executivo e Judiciário. Deveria ser ocioso lembrar, mas o amparo pelo qual Moraes deveria ansiar é o da Constituição. E deste, é forçoso dizer, muitas de suas decisões têm carecido, sobretudo as tomadas no âmbito dos onipresentes inquéritos das fake news e das milícias digitais.
Como se nada disso bastasse, alguns ministros do STF ainda participaram de um convescote organizado por Lula da Silva no Alvorada, após o desfile do 7 de Setembro. Entre uma garfada numa fatia de costela e outra no feijão tropeiro servidos aos comensais, consta que magistrados e integrantes do governo fizeram troça da manifestação convocada por Bolsonaro para fustigar Moraes e, de quebra, pedir anistia política e criminal para ele e outros golpistas envolvidos no 8 de Janeiro. Mais uma vez, faltou prudência ao STF. E faltou respeito aos seus críticos, haja vista que nem todo reparo à Corte tem sido feito por quem quer a sua deslegitimação, mas, antes, apenas deseja ver o STF circunscrito ao seu papel constitucional.
É curioso imaginar qual seria a reação dos petistas se acaso Bolsonaro ainda fosse o presidente da República e desse aos ministros Nunes Marques ou André Mendonça a mesma deferência dada por Lula da Silva a Alexandre de Moraes – alguém que até outro dia, apenas por ter sido indicado à Corte pelo “golpista” Michel Temer, era chamado de “fascista” ou coisa pior pela mesma turma que hoje o saúda como herói nacional.
A política e seus protagonistas passam. O STF, porém, haverá de permanecer como uma das mais importantes instituições da República. Portanto, pairar acima das lides políticas, como a última linha de defesa da Constituição, deveria não só ser entendido pelos ministros da Corte como sua missão fundamental, mas também servir como norte indesviável de seu comportamento.