A pauta de votações na Câmara viveu momentos de completa paralisia nas últimas semanas. Prometida para o início deste mês, a apreciação do arcabouço fiscal proposto pelo governo Lula está empacada, à espera da conclusão das negociações sobre uma reforma ministerial bastante peculiar. Há semanas, sabe-se que o Executivo quer alocar os deputados André Fufuca (PP-MA) e Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) na Esplanada dos Ministérios. O governo, no entanto, até agora não definiu quais Ministérios eles devem assumir e já não descarta recriar pastas para acolher os novos aliados do Centrão.
A exemplo do que costuma fazer nessas situações, o presidente Lula da Silva tem renovado o arsenal de desculpas para adiar a decisão – o processo de substituição de Daniela Carneiro (União-RJ) por Celso Sabino (União-PA) no Ministério do Turismo, por exemplo, levou semanas para se concretizar. Desta vez, Lula viajou à África do Sul para participar da reunião do Brics e levou com ele o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. De lá, Lula emendará encontros em Angola e São Tomé e Príncipe.
Enquanto a novela ministerial não é concluída, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem alegado falta de consenso para não incluir o arcabouço na pauta de votações da Casa. Sabe-se muito bem que o problema não é esse. Desde que aprovou a reforma tributária, o Centrão decidiu sentar sobre os projetos de interesse do governo até que a fatura seja paga – nesse caso, os cargos e as emendas que lhe foram prometidos.
Para justificar a letargia e valorizar seu papel, Lira recorreu até mesmo a uma entrevista de Haddad ao jornalista Reinaldo Azevedo, em que o ministro reconheceu o enorme poder que a Câmara conquistou nos últimos anos e disse que os deputados não deveriam usá-lo para “humilhar” o Senado e o Executivo. Haddad pode não ter escolhido bem suas palavras, mas não disse nenhuma novidade.
A carapuça, no entanto, serviu perfeitamente a Lira, que no mesmo dia reclamou de “manifestações enviesadas e descontextualizadas”, afirmando que elas não contribuem para o diálogo e a construção de pontes. Desde então, nem os novos ministros foram formalmente anunciados nem a pauta de votações da Câmara foi destravada – especialmente os itens da agenda econômica. Além do próprio arcabouço, os deputados têm resistido a apreciar a medida que taxaria os fundos offshore. Sem o arcabouço, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) tampouco avança, muito menos o Orçamento de 2024.
É um jogo político em que todos os lados perdem e que não gera nada além de enfado. Já passou da hora de os deputados desistirem dessa estratégia chantagista e retomarem os trabalhos na Câmara. É do interesse de toda a sociedade, inclusive dos próprios deputados, que a tramitação do arcabouço fiscal seja concluída de uma vez. Afinal, sem o arcabouço, não haverá espaço fiscal para a execução de várias despesas, entre elas as próprias emendas parlamentares.
O Executivo, por sua vez, precisa parar de se iludir quanto à sua própria força. O governo não tem votos suficientes para aprovar projetos importantes sem os votos do Centrão, e foi o governo que acenou com cargos para conquistar seu apoio. Se Lula não tem intenção de dar Ministérios a Fufuca e Costa Filho, que assuma o custo político dessa decisão de uma vez. Não é possível que o País tenha de assistir a mais uma semana de disputas fratricidas entre os atuais ministros para preservar seus próprios cargos.
As relações entre governo e Legislativo não são sempre harmoniosas, mas há que respeitar certos limites nas negociações. O arcabouço não traz garantias de uma política fiscal austera, pois permite o aumento real de gastos em qualquer cenário de arrecadação. Suas metas são desafiadoras, mas o projeto, mesmo com todos os senões, é um passo indispensável rumo à recuperação da credibilidade do País. A sociedade pagou um alto custo quando o governo de Dilma Rousseff abriu mão de uma âncora fiscal crível. Diante de sua relevância, portanto, o arcabouço não pode mais ser usado como se fosse berinjela no feirão do Centrão.