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Ética relativa

Comissão de Ética Pública não se presta a perseguir adversários ou beneficiar aliados do presidente de turno

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Por Notas & Informações
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Como órgão consultivo da Presidência da República e dos Ministérios, a Comissão de Ética Pública, criada em 1999, é responsável, fundamentalmente, por resguardar o interesse público ao blindar o processo decisório no âmbito do Poder Executivo contra uma eventual contaminação pelos interesses privados dos ocupantes de altos cargos da administração federal.

Logo, era de esperar que a Comissão de Ética Pública, naturalmente, fosse a primeira a se colocar acima dos interesses do governo de turno, malgrado o fato de seus sete integrantes serem designados diretamente pelo presidente da República para esse relevante serviço público não remunerado. Ética, afinal, não tem – ou não deveria ter – colorações partidárias. Nos últimos anos, porém, a comissão tem sido completamente desvirtuada, convertendo-se, na prática, em instrumento de perseguição de adversários ou de concessão de sinecuras a aliados, a depender da vontade do inquilino do Palácio do Planalto.

A exemplificar essa ética relativa, digamos assim, observe-se o tratamento distinto dado pela comissão a duas situações muito semelhantes. Uma, envolvendo o ex-ministro do Meio Ambiente e hoje deputado federal Ricardo Salles (PL-SP); outra, tendo como protagonista o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União-MA). Salles foi punido pela Comissão de Ética Pública, já no governo do presidente Lula da Silva, por ter custeado voos de carreira com dinheiro público sem compromissos oficiais que justificassem os deslocamentos. A mesma comissão, no entanto, arquivou o processo contra Juscelino Filho, que, como o Estadão revelou, se utilizou de aviões da FAB para atender a compromissos particulares.

Antes o caso envolvendo os jatinhos da FAB fosse o único a macular a conduta pública de Juscelino Filho. O ministro, como se sabe, é useiro e vezeiro em utilizar meios públicos para satisfazer a seus interesses privados no exercício do cargo, numa mixórdia que, de tão corriqueira, seria risível não fosse lamentável, sobretudo pela inexplicável complacência de seu chefe, o presidente Lula.

Sem que nada de essencial distinga um caso de outro, cabe perguntar: para que serve uma comissão que se presta a avaliar o comportamento ético dos mais graduados integrantes do governo federal e não vê problema nenhum na apropriação que o ministro das Comunicações há muito faz de meios públicos para tocar sua agenda privada?

Nos estertores de seu mandato, em novembro de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro designou aliados muito próximos para integrar a comissão. O objetivo era claro: fustigar o governo que tomaria posse dali a dois meses, pois nem um nem outro tinham as qualificações para integrar a Comissão de Ética Pública. A credencial mais vistosa de ambos era a fidelidade canina ao ex-presidente.

Agora, depois de intervir na comissão para dobrá-la a seus desígnios, é Lula quem a subverte, empreendendo uma esdrúxula recalibragem dos parâmetros éticos que deveriam nortear a atuação do colegiado seja qual for a orientação ideológica do governo de turno.