O secretário de Estado americano, Antony Blinken, realizará a partir de hoje sua primeira visita a Pequim. Dias atrás, encontraram-se em Viena o conselheiro de segurança dos EUA, Jake Sullivan, e o chanceler chinês, Wang Yi. Na ocasião, a secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, advogou por um “engajamento construtivo” na economia e meio ambiente. Blinken pode abrir as portas para uma visita de Yellen e autoridades comerciais e ambientais. Em novembro, o presidente chinês, Xi Jinping, irá aos EUA para o Fórum da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico.
São sinais de que as partes da principal relação bilateral do mundo estão buscando o que analistas chamam “estabilidade estratégica”. Mas é sintomático que a visita de Blinken tenha sido adiada por meses após um balão chinês ser abatido nos EUA, e que quase tenha sido adiada de novo em razão de um acordo da China para estabelecer bases de inteligência em Cuba. Esses incidentes revelam o quão longo e pedregoso será o caminho rumo à desejada “estabilidade estratégica”.
Sua conquista depende de um tripé: cooperação em desafios globais (como mudanças climáticas ou pandemias); trocas e disputas econômicas justas; e convivência pacífica entre os sistemas democrático e autocrático.
O primeiro ponto é mais simples. Pode haver ruídos entre as expectativas de um país e as necessidades do outro em relação à descarbonização ou à prevenção de patógenos. Mas em tese são interesses convergentes.
O segundo aspecto é mais complicado. As amplas relações econômicas entre EUA e China – a mais óbvia diferença em relação à velha guerra fria – podem ser um facilitador, mas também um complicador.
Como disse, em consonância com Yellen, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, “o desacoplamento (da economia da China) não é viável, desejável e sequer prático”. Yellen, contudo, advertiu contra práticas comerciais chinesas “injustas”, e Von der Leyen apontou que a China “virou a página da era de ‘reforma e abertura’ e se move para uma nova era de ‘segurança e controle’”. São preocupações que indicam interferências na esfera econômica do terceiro e mais delicado aspecto do tripé: a rivalidade militar.
Autoridades traduzem o desafio de reduzir essa interferência com expressões como “competição, não conflito”, ou deixar o comércio aberto exceto por “um pequeno jardim e uma cerca alta”. Os EUA, por exemplo, decretaram embargos em semicondutores e outras tecnologias estratégicas. Mas a China ameaça retaliar contra essas manobras que considera economicamente injustas.
Ainda mais arriscados que essa mistura volátil de competição econômica e militar são os atritos estritamente geopolíticos. A China busca expandir sua atuação em zonas tradicionais de influência do Ocidente, como o Oriente Médio, ao mesmo tempo que os EUA reforçam alianças no Pacífico. Isso sem falar da questão mais volátil de todas: Taiwan. O risco é de um ciclo vicioso de ação e reação, no qual o que para uma parte é visto como “dissuasão”, para a outra é “ameaça”.
A guerra fria deixou lições. Após a crise dos mísseis de Cuba (1962), autoridades de EUA e URSS em múltiplos níveis passaram a conversar com mais regularidade para reduzir riscos de conflitos acidentais com exercícios militares e contraespionagem. Canais assim seriam particularmente importantes para estabelecer parâmetros mútuos no emprego militar da Inteligência Artificial.
“Creio ser possível criar uma ordem mundial com base em regras que Europa, China e Índia possam compartilhar”, disse recentemente Henry Kissinger. Vindas de quem vêm – um realista por excelência que, além de ser, por sua inteligência e experiência, plausivelmente a maior autoridade viva em relações internacionais, também arquitetou a reaproximação entre EUA e China na guerra fria –, são palavras reconfortantes.
O ótimo é inimigo do bom. Décadas de estranhamentos entre EUA e China são talvez o que de melhor se possa esperar. Não é o melhor dos mundos. Mas, se ambos conseguirem evitar que o mundo seja destruído por uma 3.ª Guerra Mundial, já será bom o suficiente.