O Brasil tem cerca de 830 mil presos – a terceira maior população carcerária do mundo, atrás de Estados Unidos e China – e um dos mais elevados índices de reincidência. Um levantamento feito pelo Instituto Igarapé, publicado pelo Estadão há poucos dias, indica que 32% dos egressos do sistema prisional retornam ao cárcere. Outro estudo, realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), apresenta números ainda mais alarmantes: a reincidência criminal chega a 37,6% nos casos de nova condenação em até cinco anos desde a soltura e atinge 42,5% quando consideradas quaisquer novas entradas no sistema prisional antes de uma nova condenação – como nos casos de prisão temporária ou preventiva.
São múltiplas as razões que explicam o fracasso do Estado em cumprir sua missão intransferível de ressocializar os cidadãos que estão sob sua custódia. Entre elas, duas merecem destaque. A primeira é o descontrole do poder público sobre o que acontece no interior das prisões, dominadas que estão por organizações criminosas cada vez mais audaciosas. “Dentro da unidade prisional, o Estado não tem controle. O (máximo) que o Estado consegue fazer é dizer que (o preso) não pode sair. Só isso”, disse ao Estadão o delegado Fernando Veloso, ex-secretário estadual de Administração Penitenciária do Rio. Ou seja, num quadro em que o Estado serve como mero bedel nas penitenciárias, qualquer detento que ingresse no sistema prisional, sobretudo os que cometeram crimes de menor gravidade, é logo obrigado a se filiar a uma das facções que comandam o local de facto. Quando não impede, essa realidade brutal dificulta muito a ressocialização. Não à toa os presídios são frequentemente tratados como verdadeiras “universidades do crime”.
Outro fator que contribui para o elevado índice de reincidência é o populismo penitenciário. É compreensível que cidadãos exauridos após décadas de leniência do Estado no combate à violência – quando não indignados pelo conluio entre agentes públicos e criminosos – confundam quaisquer políticas públicas que visam à melhoria das condições carcerárias no País e à ressocialização como uma espécie de “prêmio” aos que se desviaram das leis. Tome-se como exemplo o debate em torno do projeto de lei que acaba com as saídas temporárias de presos em feriados – conhecidas como “saidinhas”. As discussões sobre o tema no Congresso estão poluídas por essa visão apaixonada da política penitenciária. Seria muito melhor para o País que o debate em torno de uma política pública como essa fosse pautado pelas evidências que indicam ser baixíssimo o índice de fuga e expressivos os ganhos advindos do convívio da maioria dos presos com seus familiares.
O Brasil é um país violento, e o medo da violência aparece com frequência em pesquisas de opinião como uma das maiores aflições dos cidadãos, sobretudo dos que vivem nas grandes cidades – a começar por São Paulo e Rio, capitais que são berços das duas maiores organizações criminosas do País. O fim desse flagelo, ou ao menos a sua mitigação, depende fundamentalmente da adoção de uma abordagem mais corajosa e menos populista da violência urbana por parlamentares e governantes na formulação de políticas públicas na área de segurança. Afinal, não haverá um Brasil mais seguro enquanto prevalecer a lógica segundo a qual a violência dos criminosos deve ser enfrentada com mais violência por parte dos agentes do Estado.
Não será da exploração eleitoreira da justa indignação da população diante das falhas do Estado em combater o crime que emergirá um país com índices de criminalidade mais civilizados. Isso depende da coragem e do espírito público de mandatários no Legislativo e no Executivo para formular e implementar políticas públicas mais responsáveis na área de segurança – ainda que “mais responsável”, em alguns casos, possa significar “mais impopular”.
Num Estado Democrático de Direito, justiça não se confunde com vingança.