Em uma longa tradição, desde que os utilitaristas no século 19 formularam o princípio moral e político da “máxima felicidade para o maior número de pessoas”, muitos argumentam que o sucesso dos governos se mede pelo bem-estar de seus cidadãos. Mas, como constatou Aristóteles, se todo mundo deseja a felicidade, quase ninguém concorda sobre o que ela é. O que faz uma vida feliz: o prazer, a riqueza, a honra ou alguma outra coisa? Há dez anos a Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável engaja cientistas e lideranças da sociedade civil para buscar respostas baseadas em evidências. A cada triênio, ela publica um Relatório da Felicidade Global ranqueando países com base em dados do Gallup mundial. O indicador-chave é subjetivo: “De 0 a 10, quão satisfeito você está com a sua vida?”. Mas daí surge a questão sobre quais hábitos, instituições e condições materiais produzem sociedades com níveis maiores de bem-estar.
Há uma forte correlação entre a felicidade e seis fatores: expectativa de vida e saúde física e mental; renda e emprego; apoio social (de familiares, amigos e colegas); liberdade pessoal; virtudes; e integridade e eficácia dos governos. “Os resultados são claros. O ethos de um país importa – as pessoas são confiáveis, generosas e mutuamente cooperativas? As instituições importam – as pessoas são livres para tomar decisões vitais importantes? E as condições materiais importam – tanto a renda quanto a saúde.”
Assim, em primeiro lugar, os governos devem minimizar a desgraça, seja garantindo condições básicas, como os direitos humanos, seja promovendo condições de desenvolvimento, como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU. Em segundo lugar, devem fomentar instituições, normas e valores aptos a maximizar a coesão cívica e política. A eficácia de um Estado depende, primeiro, da capacidade de garantir paz e segurança, sem repressão; depois, de suas capacidades fiscais (as condições do crescimento econômico), coletivas (entrega de serviços) e legais (aplicação da lei sem distinção). Ante clivagens de classes, culturas regionais, religiões e etnias, o Estado “deve encontrar modos de conduzir os cidadãos em conjunto a reconhecer interesses comuns e reconciliar prioridades conflitantes”.
A importância da coesão social ficou evidente no último triênio. Mesmo em meio a pesadas crises – a pandemia, a guerra, a inflação –, as percepções sobre o bem-estar permaneceram no mesmo patamar de 2017-19. Isso porque se as crises impõem custos, também expõem e mesmo despertam um senso de conexões compartilhadas. Os pesquisadores apontam exemplos de como a confiança e a cooperação social podem sustentar a felicidade em meio a crises: países que apelaram à coletividade para suprimir a transmissão comunitária tiveram índices mais baixos de mortes e mais altos de bem-estar; em 2020-21, no pico da pandemia, os gestos de altruísmo – doações, voluntariado, ajuda a estranhos – foram um quarto mais comuns do que antes; e em 2022, em amostragens de sete países representativos das seis regiões globais, os relatos de conexões sociais positivas foram duas vezes maiores que os de solidão.
Essas evidências expõem uma associação positiva entre felicidade e solidariedade: o altruísmo melhora o bem-estar subjetivo não só de seus beneficiários, mas dos próprios agentes e mesmo de observadores. Além disso, essa associação se revelou bidirecional: pessoas mais felizes também se empenharam em mais altruísmo.
As evidências parecem confirmar a teoria de Aristóteles de que a felicidade depende de uma composição entre bens externos e virtudes morais: se os primeiros são condição necessária, porém não suficiente, as segundas são essenciais. Segundo sua célebre definição, a eudaimonia (a vida “boa” ou “feliz”) é “a atividade da alma de acordo com a virtude”. Ou seja, uma pessoa ou sociedade se torna (subjetiva e emocionalmente) feliz quando logra ser (objetiva e moralmente) boa. Hoje, como sempre, a conquista da virtude continua a ser, individual e coletivamente, o grande passaporte para a felicidade.