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Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, professor do IDP, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e o primeiro diretor executivo da IFI. Felipe Scudeler Salto escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião | Agenda Haddad deve garantir meta de 2024

São estas as duas peças-chave para o cumprimento da meta fiscal deste ano: alta das receitas e contenção possível das discricionárias

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Os dados do Tesouro Nacional até agosto indicam qual será a tônica das ações da equipe econômica nos últimos quatro meses de 2024, visando a cumprir a meta fiscal: aproveitar o crescimento da arrecadação e conter o ritmo dos gastos não obrigatórios.

Vale lembrar, o objetivo de resultado primário do governo central é zero, mas com uma margem de tolerância de R$ 28,8 bilhões e a exclusão, para o cálculo da meta, do suporte ao Rio Grande do Sul.

No último relatório bimestral, o déficit estimado pelo Executivo foi de R$ 68,8 bilhões. Possivelmente o déficit será menor, já que nem todos os créditos abertos em favor das regiões afetadas pelas enchentes deverão ser utilizados, a exemplo dos mais de R$ 7 bilhões destinados ao leilão de arroz.

A arrecadação cresceu 8,8%, até agosto, descontada a inflação. O crescimento do PIB, ao elevar a renda disponível, é acompanhado pelo aumento do consumo, da massa salarial e dos lucros, com os tributos incidentes sobre esses componentes seguindo a dinâmica da produção. E algumas medidas enviadas pela equipe econômica vêm surtindo efeito, embora não se saiba ao certo a contribuição de cada uma.

A Lei 14.592, de 2023, alterou a base de cálculo do PIS/Cofins, o que se somou ao retorno, a partir de meados de 2023, da incidência dessas contribuições sobre combustíveis. Até agosto, o PIS/Pasep cresceu 22,4% e a Cofins, 21,4%, em termos reais.

Já a Lei 14.754, de 2023, mudou a sistemática de tributação de fundos exclusivos e offshores, alavancando o IRRF-Capital e o IRPF, que tiveram avanços de 21,9% e 18,0%, respectivamente.

Outra medida que está rendendo bons frutos é a limitação ao uso de compensações tributárias oriundas de ação judicial, originada da Medida Provisória 1.202, de 2023. De janeiro a agosto, os débitos compensados com créditos obtidos dessa maneira registraram queda de R$ 28,3 bilhões.

Como parte da arrecadação é constitucionalmente repartida, é mais relevante, do ponto de vista da União, o desempenho da chamada receita líquida, obtida da diferença entre receita total e transferências a Estados e municípios. Estas cresceram 8,4% até agosto, variação de magnitude inferior ao crescimento da arrecadação bruta, mas ainda bastante expressiva.

O caixa da União deverá ser reforçado adicionalmente nos próximos meses pelas medidas pactuadas com o Congresso como forma de compensar a desoneração da folha. Prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal, a compensação só será possível por conta da atuação da equipe econômica junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Do lado dos gastos, as vinculações ao salário mínimo, conjugadas com a ampliação do número de beneficiários, elevaram em 3,4% os pagamentos de benefícios previdenciários e em 16,6% os desembolsos com o Benefício de Prestação Continuada. Vale dizer, o dito pente-fino dos gastos sociais se iniciou por esses dispêndios, uma vez que a ampliação expressiva verificada a partir de 2022 do público atendido por essas políticas não se justifica, do ponto de vista demográfico.

Outro conjunto de dispêndios tem seus desembolsos atrelados ao desempenho da arrecadação, como gastos com saúde, educação e emendas parlamentares. Em consequência do ótimo desempenho das receitas, as despesas sujeitas à programação financeira com saúde avançaram, em 2024, R$ 32,2 bilhões, a preços de agosto.

Resultado dessas vinculações e do auxílio ao Rio Grande do Sul, que nos oito primeiros meses do ano somou R$ 11,9 bilhões, a despesa total cresceu 7,1%. Porém, mais que um obstáculo ao atingimento da meta de primário deste ano, esses gastos vinculados indicam dificuldades para o novo arcabouço fiscal se consolidar nos exercícios subsequentes.

Isso pois o regramento impõe uma limitação de crescimento de 2,5% dos dispêndios, o que em 2024 será possível graças à contenção de gastos não obrigatórios. Após o terceiro relatório bimestral, o Executivo vem adotando cortes de despesas discricionárias, além de um faseamento (liberação limitada mensalmente) nesses desembolsos.

Se por um lado as despesas discricionárias avançaram 16,7% no ano, por outro a margem de manobra do Poder Executivo descrita acima permitiu que esses gastos tivessem queda de 43,3% em agosto contra mesmo mês do ano anterior.

Possivelmente, o resultado em tal período foi afetado ainda pelo congelamento das emendas impositivas pelo STF, o que não invalida, de qualquer maneira, o movimento da equipe econômica para limitar os gastos de 2024, em consonância com o regramento fiscal.

São estas as duas peças-chave para o cumprimento da meta deste ano: alta das receitas e contenção possível das discricionárias.

Até agosto, o déficit primário foi de R$ 100 bilhões, resultado 9,1% melhor que o verificado no mesmo período de 2023. Com a exclusão dos dispêndios relativos ao Rio Grande do Sul, o saldo torna-se negativo em R$ 88,1 bilhões. Consequentemente, o esforço fiscal adicional exigido no último quadrimestre é de R$ 59,3 bilhões. Não será simples, mas atingir a meta fiscal de 2024 está ao alcance das mãos do governo.

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ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN INVESTIMENTOS, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E O PRIMEIRO DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI. EM 2023, FOI ELEITO O ECONOMISTA DO ANO PELA ORDEM DOS ECONOMISTAS DO BRASIL (OEB)

Opinião por Felipe Salto

Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo

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