Quando vocês estiverem lendo este artigo, a reforma tributária já poderá ter retornado à Câmara dos Deputados. Cristiane A. J. Schmidt, Priscilla Santana, Luis Claudio Gomes e Sergio Gobetti publicaram um artigo no Estadão (7/11, A4) em resposta à minha avaliação pessimista sobre a reforma tributária. Mostrarei por que estão errados.
A discórdia central não reside no diagnóstico. O sistema atual é muito complexo, gera ineficiências econômicas e é regressivo, porque os mais pobres pagam mais que o andar de cima, sobretudo no que se refere à tributação do consumo. No ICMS, a guerra fiscal está longe de terminar e vai ser estimulada pela reforma.
A PEC 45, já maculada pelo pecado original do escopo gigantesco, foi adquirindo uma feição de caos. A maior probabilidade é o day after ser marcado por choro e ranger de dentes, e não pela simplificação, palavra já surrada pelo mau uso.
Há uma certa crença dos que defendem veementemente a reforma: “pior do que está não pode ficar”. Tenha certeza, leitor, de que o texto em tramitação no Congresso nos levará a um sistema pior do que o atual.
O sucesso da implantação do IVA depende de se buscar o mínimo de exceções, em termos de diferenciação de alíquotas e regimes; de uma gestão que garanta a autonomia federativa; e de um modelo fiscalmente responsável para o manejo dos créditos tributários. Depende, ainda, de uma transição civilizada, e não de uma promessa de mudança para o longínquo 2033.
Com o sistema proposto, nele penduradas as debilidades do atual, teremos o reforço à guerra fiscal e a manutenção dos problemas do ICMS. O tempero novo – e amargo – terá pitadas de Imposto Seletivo, de múltiplas exceções e de gestão nebulosa do IBS por um comitê político. As exceções, a saber, ainda vão se desdobrar feito as cabeças da Hydra, lá na futura lei complementar a regulamentar a PEC 45.
Ninguém discorda das boas qualidades de um sistema não cumulativo, com tributação sobre a agregação de valor e a redução do número de tributos. Propõem-se diferentes alíquotas para distintos grupos de bens e serviços, além de outros tantos regimes favorecidos, específicos e diferenciados. Uma verdadeira festa da cocada. É verdade que a distância entre o possível e o imaginado é típica dos processos de apreciação de matérias dessa natureza. Mas estamos falando de outra coisa, aqui: o monstrengo tributário nascerá para ser, mesmo, gauche na vida.
Há enorme incerteza a respeito da alíquota necessária para arrecadar cerca de 12,5% do PIB por meio dos novos impostos, elevando a carga sobre os que não têm poder para fazer lobby. A alíquota estimada por nós, na Warren, é de 33,5%. Isso sem contar o custeio dos fundões da PEC 45. Serão centenas de bilhões de gastos novos para a União a requerer um adicional de alíquota de 1,5%.
Esse polpudo pedágio cobrado por alguns dos demais entes, a fim de não bloquear a tramitação da reforma tributária, é alarmante. O Poder Executivo federal é responsável pela estabilidade macroeconômica do País, o que demanda sustentabilidade fiscal. Sem isso, o crescimento econômico sempre será baixo.
Esta, como outras faturas, nos últimos anos, estão sendo espetadas no orçamento federal, agravando a frágil situação da União. Na reforma tributária, filme repetido. A partir de 2025, a União terá de fazer aportes anuais crescentes em dois fundos que chegarão a R$ 60 bilhões ao ano. Claro, se esse valor não sofrer novo aumento até o fim da tramitação da reforma.
Outro problema é o cronograma estabelecido para o fim do ICMS e do ISS. A redução das alíquotas inicia-se apenas em 2029 e em ritmo vagarosíssimo. Em 2032, as alíquotas ainda corresponderão a 60% das atuais.
Será que devemos acreditar que a alíquota cairá desse patamar para a extinção, do dia 31 de dezembro de 2032 para o dia 1.º de janeiro de 2033? Vale dizer, os benefícios do ICMS, a arma que leva à guerra fiscal e a seus malefícios, também remanescerão. Será que tudo realmente acabará em 2033? Não haverá prorrogação de prazo? Pior, não se adiará o início do processo antes de iniciado, em 2029? Contem outra; essa é velha.
A certeza é de que o cronograma de aportes da União ao fundo regional vai seguir a pleno vapor, em qualquer cenário, com transferências cada vez maiores. Afinal, no texto que está tramitando, não há qualquer associação desse cronograma com o de redução das alíquotas do ICMS e dos benefícios.
E a centralização da arrecadação do IBS no Comitê Gestor (antes, Conselho Federativo, e, no início, Agência Centralizadora – este último, sim, um nome mais fiel)? O texto do Senado só piorou o seu desenho, que agora contará até com presidente indicado. Destaco, ainda, outras questões: a obrigação da União de compensar sem limites a redução dos benefícios de ICMS; a autorização para que os Estados criem contribuições sobre produtos primários e semielaborados; e os benefícios tributários para veículos produzidos no Nordeste.
Como se vê, minha discordância não é quanto ao ponto de partida – o já feioso sistema atual –, mas quanto ao de chegada: o mostrengo tributário para valer.
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ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN INVESTIMENTOS, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E O PRIMEIRO DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI
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