Não se pode esconder o Sol sob peneiras. O mercado financeiro e a opinião pública em geral reagiram mal aos anúncios na área fiscal. O desafio é desfazer os erros de comunicação e de intensidade (baixa) das medidas para avançar no ajuste das contas públicas.
De fato, a divulgação do pacote de contenção de gastos públicos foi atrapalhada. A mistura de medidas referentes à reforma da tributação da renda – esta que precisa ser debatida e endereçada – com ações efetivas do lado do gasto resultou em frustração. Para alguns, uma desejada confirmação de viés, vale dizer, pois podem até correr o risco de ignorar a parte boa do pacote.
Mais lenha na fogueira dos juros e do dólar, que se acomodou em patamar alto, reacendendo as preocupações quanto à dinâmica da inflação. Não custa lembrar: o dólar caro afeta os preços das importações. Por sua vez, esse efeito transborda para custos maiores sobre os processos produtivos domésticos e, no fim do dia, encarece os bens e serviços consumidos por aqui.
Não adianta dizer que o mercado estaria errado ou coisa do tipo. É preciso dançar um bom tango com ele e promover uma reviravolta nessas percepções. Fácil falar.
A saída é restabelecer um quadro de normalidade mínima na economia nacional. Há duas ferramentas para isso: a) mostrar o detalhamento das medidas fiscais anunciadas, agora já amparadas em dois projetos de lei e uma proposta de emenda à Constituição; e b) elaborar mais ações de contenção de gastos para eventualmente complementar o pacote original.
A primeira ação é mais óbvia. O governo já deveria ter apresentado, na coletiva à imprensa do pacote, memórias de cálculos detalhadas para cada um dos impactos estimados. Isso ajudaria a dirimir dúvidas e a respaldar, com transparência, os objetivos e intenções. Ainda há tempo para providenciar esse movimento, de maneira coordenada.
A segunda está associada à motivação por trás da desconfiança dos analistas, economistas e agentes econômicos em geral. O desafio fiscal, como já defendi neste espaço diversas vezes, é movimentar a política econômica na direção de economias relevantes e não temporárias. Ou a dívida/PIB estaciona ou nada feito.
Quando o governo anunciou um impacto de R$ 71,9 bilhões para as contenções de despesas em 2025 e 2026, mesmo aqueles que calcularam impacto similar ou um pouco inferior questionaram um fato importante: esse número não seria suficiente para fazer cumprir o novo arcabouço fiscal e, ao longo do tempo, reequilibrar a dívida/PIB. Estão certos.
Para 2025, projetamos, por exemplo, na Warren, um déficit primário de cerca de 0,8% do PIB. A meta fixada pelo governo é zero. Há uma banda inferior, de 0,25% do PIB, o que significa dizer que algum déficit público estaria autorizado sem afetar o compromisso legal. Há ainda despesas (precatórios) excetuadas da contabilidade relevante à checagem da meta fiscal.
Mas a verdade é que o corte anunciado não resolve o pepino de 2025 (cumprir a meta, mesmo com banda e descontos) e provavelmente não resolverá também o de 2026. Nesse caso, a conclusão óbvia é de que são necessárias novas medidas para produzir esforço fiscal primário adicional.
Não é o mercado quem está pedindo, mas o próprio governo, que aprovou a Lei Complementar n.º 200/2023 (novo arcabouço fiscal) e estabeleceu regras ao comportamento das despesas públicas, do resultado primário e da dívida. O déficit zero é apenas um passo inicial de tudo isso. Para ter claro, esse objetivo não está garantido com o novo pacote. Confusões com o Imposto de Renda à parte, tal visão perpassa todas as análises relevantes, dos mais aos menos pessimistas da paróquia.
Daí um segundo ponto importante: as ações, entendidas aqui como as contidas no pacote já anunciado e as medidas adicionais a serem tomadas, têm de promover uma mudança na avaliação de quem faz conta a sério. Essa mudança relevante materializar-se-ia em projeções de dívida que indicassem a sua estabilização em horizonte curto de tempo, por exemplo, em dois anos.
O governo teve um mérito gigantesco com o pacote fiscal. Imagine, caro leitor, que foram anunciadas medidas para restringir o salário mínimo, o abono salarial, o Benefício de Prestação Continuada, o Fundeb (fundo da educação), as emendas parlamentares, a previdência dos militares, os subsídios e subvenções, entre outras.
As válvulas nas quais o ministro Fernando Haddad mexeu são as corretas. Faltou, entretanto, intensidade.
Um corte mais efetivo nos gastos tributários, por exemplo, limando os abatimentos com despesas médicas hoje autorizados no Imposto de Renda seria bem-vindo. Isso está, de certo modo, presente na medida compensatória proposta para a questão do aumento da faixa de isenção a quem ganha até R$ 5 mil ao mês. O problema é ter sido maculado justamente pela tal isenção pretendida.
A hora é de muito cuidado e de reversão da má impressão causada inicialmente pelo pacote de gastos. Há saídas, mas será preciso deixar o confronto com o mercado de lado para que a dança de salão corra solta sem sobressaltos ou, no máximo, uns passos ousados aqui e acolá.
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ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN INVESTIMENTOS, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO (2022)
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