EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, professor do IDP, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e o primeiro diretor executivo da IFI. Felipe Scudeler Salto escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião | Não à PEC 45!

O que se vê sobre a Mesa da Câmara é um conjunto de aberrações técnicas, econômicas e políticas reunidas num texto inconstitucional. Monstrengo precisa ser fulminado

Foto do author Felipe Salto

Sou favorável aos princípios do destino, da não cumulatividade e da simplificação. Defendo-os há bastante tempo. Quando fui secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo, apresentei proposta de reforma tributária que começava pelo ICMS. Já o que se vê sobre a Mesa da Câmara é um conjunto de aberrações técnicas, econômicas e políticas reunidas num texto inconstitucional. O monstrengo, como tenho chamado, precisa ser fulminado enquanto há tempo.

Estão brincando com a sociedade, colocada à margem do debate pelos bastiões da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45. Negam-se a divulgar números e detalhes básicos. É como se dissessem àqueles que ousam discutir: “parem de falar, pois estão atrapalhando; temos pressa!” Só aceitam manifestação do tipo vestir a camisa do time, soltar rojão e jogar confete e serpentina sobre a proposta. Sempre fugi do adesismo tosco, sobretudo depois de 16 anos estudando e trabalhando com contas públicas.

A reforma tributária precisa acontecer, mas não pela PEC 45. São vários os seus defeitos. Propõe-se um modelo de gestão para o Imposto de Bens e Serviços (IBS) que é inconstitucional e gera incentivos econômicos perversos. O chamado Conselho Federativo terá mais poder que qualquer governador de Estado. Vai arrecadar, normatizar, regulamentar, mandar lei complementar para tratar do novo tributo, partilhar as receitas e devolver créditos aos contribuintes. E não se trata apenas de uma questão federativa (para quem acha pouco). É preciso dizer que a criação de uma estrutura como essa para garantir a devolução de créditos aos contribuintes estimulará a fraude, erodindo o erário.

Se o crédito vai ser pago de modo automático, sem fiscalização ex-ante, então cabe perguntar: o que impedirá empresas de emitirem notas frias para fabricar direito a crédito? Só a atuação intensa dos Fiscos para evitar esse risco. Mas, se o conselho os substituirá, na prática, comandando todas as administrações tributárias estaduais, então, por favor, apaguem a luz antes de sair. A crítica ao Conselho Federativo é política, jurídica e econômica. Há tempo para corrigir essa sandice.

Minha alternativa é que cada Estado cuide de sua arrecadação, transferindo obrigatoriamente receitas de IBS para o destino e pagando seus respectivos contribuintes.

Exemplo: suponha que um produtor rural do Acre produziu um insumo e o vendeu a R$ 100 para a indústria n.º 1, em São Paulo. Com alíquota de 30% para o IBS, o imposto recolhido foi de R$ 30, repassado para São Paulo pelo Acre. A indústria n.º 1, por sua vez, usou o insumo para produzir um segundo produto, vendido por R$ 200 para a indústria n.º 2, no Ceará. São Paulo recolheu R$ 60 de imposto, que repassou para o Ceará, além de ter devolvido à indústria n.º 1 o crédito de R$ 30 (consumo intermediário). A indústria n.º 2, por fim, vendeu por R$ 300 o bem final para um consumidor cearense, de modo que recolheu R$ 90 de imposto, mas recebeu um crédito de R$ 60 do Fisco do Ceará. No fim das contas, os dois contribuintes receberam dos respectivos Estados os créditos a que tinham direito e o Estado de destino arrecadou o IBS (30% sobre o preço final).

Não tem necessidade alguma de conselho ou agência, como se vê pelo exemplo, a não ser para vender o terreno na lua de que o crédito, “só dessa forma”, poderia ser devolvido devidamente aos contribuintes. Aliás, a tal agência, como era inicialmente chamada, foi apresentada a mim, na Sefaz-SP, há mais de um ano, por Bernard Appy. Desde aquele momento, mostramos que a ideia era uma loucura e, pior, desnecessária. Se há desconfiança dos Estados, principalmente de São Paulo, como especialista ligada ao grupo técnico do governo chegou a verbalizar ao Estadão, então que se preveja um sistema de incentivos adequado, com prazo para fiscalizar, liberar o crédito e repassar as receitas de IBS ao destino. O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) deveria ser o locus para essa sistemática. Desde logo, “desconfiar” do Estado que sustenta a produção nacional de maior valor agregado e transfere liquidamente centenas de bilhões de reais para o resto do País parece mais uma grande piada, sendo educado. Como paulista, refugo esse disparate.

Os problemas do monstrengo não param por aí. O IBS nascerá sem alíquota, sujeita a estimativas, isto é, cálculos estatísticos, com base em parâmetros a serem escolhidos. Outro grave pecado desse arrazoado que chamam de PEC 45 é o tratamento aos famigerados incentivos do ICMS. Eles serão mantidos por uma década, alimentando as esperanças de quem vive disso e para isso. Vamo-nos entender: a própria Constituição conterá estruturas e mecanismos baseados na Lei Complementar 160/2017 para garantir recursos a sustentar a nefanda guerra fiscal. Está lá o fundo dos incentivos, na PEC, com custo impeditivo para a economia, agora via subsídios cavalares pagos diretamente aos contribuintes pela viúva, a União. Pior, sem limitação (ver parágrafo 8.º do artigo 11 do substitutivo).

Se essa reforma avançar, o escangalhado sistema atual vai piorar. Minha esperança está no Senado. Não à PEC 45!

*

ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Opinião por Felipe Salto

Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.