A meta zero é o atual objetivo de curto prazo das contas públicas. As receitas e as despesas públicas federais, sem contar os juros da dívida, têm de ser iguais. Na verdade, há uma banda, de -0,25% do PIB. Mas esse resultado sanearia as contas públicas já em 2024? Por que zero? O que nos diz a Lei Complementar (LC) n.º 200/2023, isto é, o Novo Arcabouço Fiscal?
A LC 200 contém um objetivo de longo prazo vinculado à sustentabilidade da dívida pública. O problema é que a gestão das contas públicas, no curto prazo, tem encontrado dificuldades para avançar na direção de uma estratégia de política econômica de maior fôlego.
Há dois dias, por exemplo, a Câmara dos Deputados aprovou uma flexibilização no Novo Arcabouço Fiscal (ainda tem de passar pelo Senado). A ideia é permitir o aumento do limite de gastos em R$ 15,7 bilhões, por ato do Poder Executivo, desde já, e não mais após a segunda avaliação bimestral orçamentária (maio).
A LC 200 diz que, se a projeção de receitas do governo para 2024 superar a variação considerada no cálculo do limite de gastos do Orçamento, então ele será refeito. Essa checagem ocorreria após a apresentação do relatório orçamentário do segundo bimestre, documento para acompanhar a execução orçamentária.
O indexador usado no Orçamento de 2024 para calcular o limite de gastos foi 1,7%, em termos reais, resultando em R$ 2.089,5 bilhões. Vamos assumir que a projeção do governo para as receitas de 2024, em maio, venha parecida com a do relatório orçamentário do primeiro bimestre. A variação real, de 7% (já aplicada a regra do arcabouço, de 70% vezes a variação da receita), superaria o teto permitido (2,5% real). Logo, aplicar-se-ia justamente esta variação, de 2,5%, acima do 1,7% em 0,8 ponto de porcentagem.
Essa diferença equivaleria a um aumento de R$ 15,7 bilhões no limite. A mudança aprovada pela Câmara anteontem traz para já essa possibilidade de suplementação. Isso reduziria as possibilidades de bloqueio e contingenciamento de despesas. Também abriria caminho para outras mexidas na LC 200. Riscos.
Como se vê, discute-se o detalhe da rebimboca da parafuseta do resultado fiscal de curto prazo, porque aí está o condão para gastar mais. Mas e o longo prazo? E a dívida pública?
A verdade é que, se o governo for capaz de mostrar uma trajetória sustentável para a dívida pública, o custo da dívida diminuirá, já no curto prazo, as despesas financeiras cairão e haverá espaço para ampliar o financiamento das políticas públicas.
Não é por outra razão que a LC 200 obriga à apresentação de metas de resultado primário para o ano corrente e os três seguintes compatíveis com uma “trajetória sustentável da dívida pública”. O parágrafo 1.º do artigo 2.º estabelece que essa compatibilidade será materializada no Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Conforme regra do parágrafo 5.º do artigo 4.º introduzido na Lei de Responsabilidade Fiscal pela LC 200: (o Anexo de Metas Fiscais conterá) “o efeito esperado e a compatibilidade, no período de 10 anos, do cumprimento das metas de resultado primário sobre a trajetória de convergência da dívida pública, evidenciando o nível de resultados fiscais consistentes com a estabilização da Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) em relação ao Produto Interno Bruto”.
Assim, a meta zero, em 2024, é muito importante, por ser a âncora de curtíssimo prazo, a partir da qual o ministro Fernando Haddad está conseguindo aprovar medidas de revisão de benefícios tributários iníquos e recuperar a arrecadação. Minha coleta para março, no SIGA-Brasil, sistema do Senado que traz os dados da execução orçamentária, aponta alta real de quase 10% para as receitas.
Contudo, o essencial vai muito além disso. É preciso debater o alcance das condições de sustentabilidade fiscal. Na segunda, dia 15/4, teremos essa oportunidade, por ocasião da apresentação do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) 2025.
As metas a partir do ano que vem terão de ser ajustadas. A Secretaria do Tesouro Nacional apresentou cenários bem embasados, recentemente, no Relatório de Projeções Fiscais. Elas podem ajudar o governo nessa hercúlea tarefa. Claro que os compromissos fixados para 2025 a 2028 têm de embutir algum esforço, senão não seriam metas.
A dívida bruta está atualmente em 75,5% do PIB. A equação de sustentabilidade da dívida indica que, com juros reais de 4,5% ao ano e crescimento econômico de 2,2%, seria preciso um superávit primário de 1,7% do PIB para estabilizar a dívida em relação ao produto. Partimos de um déficit (sem precatórios extraordinários), em 2023, de 1,4% do PIB. Assim, teríamos de fazer um esforço de 3,1 pontos de porcentagem ou algo como R$ 350 bilhões. Impossível em um ou dois anos.
Sem mudanças estruturais no gasto, entendo que só seria possível estabilizar a dívida/PIB em 2033, em 87%, com superávit primário de 0,9% do PIB, juros reais de 3,5% e crescimento econômico de 2,5%. São números relativamente otimistas e, mesmo assim, demoraríamos a alcançar a estabilização. A construção do longo prazo começa agora, na próxima segunda-feira, no PLDO de 2025.
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ECONOMISTA-CHEFE DA WARREN INVESTIMENTOS, FOI SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO E O PRIMEIRO DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI
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