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Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, professor do IDP, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e o primeiro diretor executivo da IFI. Felipe Scudeler Salto escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião | Venda de reservas e a questão fiscal

Antes que haja risco de que as reservas caiam a níveis indesejados, espera-se que o governo como um todo se mobilize para enfrentar a causa da instabilidade

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Por Felipe Salto e Josué Pellegrini

O Banco Central é o responsável pela política monetária e cambial do Brasil, incluindo a gestão das reservas internacionais. O assunto ganhou destaque em dezembro passado, quando a autoridade monetária vendeu elevado montante de reservas.

A incerteza prevalecente na ocasião, em especial quanto à sustentabilidade fiscal do País, provocou forte desvalorização do real frente ao dólar. A cotação estava em R$ 5,80, no dia 26 de novembro, e terminou o ano em quase R$ 6,20.

O Banco Central não tem meta para a taxa de câmbio, mas precisou intervir no mercado de dólares para conter a forte flutuação da moeda e seu possível descolamento em relação aos fundamentos econômicos. Foram vendidos US$ 30,8 bilhões, sendo US$ 11 bilhões com possibilidade de recompra, apenas em dezembro.

Se convertermos os valores vendidos pela taxa de câmbio do respectivo dia em que a operação ocorreu, os US$ 30,8 bilhões representam R$ 189,2 bilhões. Caso nada fosse feito, esses pagamentos feitos pelos agentes econômicos compradores de dólares sairiam do sistema econômico, o que elevaria a taxa de juros básica, a chamada Selic.

Como o Banco Central tem meta para a Selic, estipulada em função da necessidade de cumprir a meta de inflação, o Banco Central teve que repor a liquidez da economia ao seu nível anterior. Isso foi feito por meio da redução das chamadas operações compromissadas, espécie de empréstimo de curtíssimo prazo do Banco Central junto às instituições financeiras, com garantia dos títulos públicos do Tesouro Nacional mantidos em carteira.

Nesse ponto, vem à baila a questão fiscal. As operações compromissadas são um importante componente da dívida pública. A venda de reservas, ao reduzir as compromissadas, também reduz a dívida. O anúncio dos dados de dezembro provavelmente mostrará queda da dívida pública, em relação ao PIB, causada pela venda de US$ 30,8 bilhões de reservas.

A essa altura, por que não vender mais reservas para abater a dívida pública? Não seria positivo? Reduzir a dívida pública com certeza é, mas não à custa da redução das reservas internacionais em momento de incerteza. O acúmulo de grande montante de reservas, ocorrido principalmente entre 2006 e 2012, foi fundamental para proteger o País das consequências de crises externas ou internas que se sucederam desde então.

As operações de compra e venda de reservas devem ser orientadas pelas necessidades da política cambial, o que significa garantir o melhor funcionamento do regime de flutuação cambial em vigor desde 1999. Se a gestão da política cambial demandar a venda de reservas, a redução da dívida pública será um efeito colateral bem-vindo. O que não pode ser feito é inverter a ordem e vender reservas com o objetivo de reduzir a dívida pública. O risco é perdermos o único ativo relevante, seguro contra crises e balizador de uma situação econômica razoavelmente estável.

Outra questão suscitada pelo assunto é a do montante desejável de reservas externas. Fizemos um estudo sobre o tema quando presidíamos a Instituição Fiscal Independente (IFI). Existem vários indicadores que levam em conta diferentes variáveis, como importações, dívida externa de curto prazo, meios de pagamento e outros.

Vimos que o Banco Central usa as operações com reservas para garantir o bom funcionamento da política cambial, mas deve evitar que as reservas caiam abaixo desse montante desejável. Em dezembro, as reservas caíram US$ 33,3 bilhões, passando de US$ 363 bilhões para US$ 329,7 bilhões. No dia 17 de janeiro, último dado disponível, as reservas estavam em US$ 327,9 bilhões.

Houve quedas superiores a essa em pelo menos duas ocasiões desde 2019. Entretanto, ocorreram em períodos mais dilatados, seguidos de recomposição parcial ou integral. Chama a atenção que a intervenção do Banco Central, em dezembro, de US$ 30,8 bilhões, foi a maior em um único mês, desde 2000, início da série. O maior valor até então tinha sido US$ 22,5 bilhões, em março de 2020, quando se iniciou a pandemia da covid.

O atual nível superior a US$ 320 bilhões nos parece confortável, desde que os episódios de dezembro não sejam recorrentes. Antes que haja risco relevante de que as reservas caiam a níveis indesejados, espera-se que o governo como um todo, e não apenas o Banco Central, se mobilize para enfrentar a verdadeira causa da instabilidade no mercado de câmbio e atue para a solução do problema.

Como vimos acima, o desequilíbrio fiscal do País foi decisivo para a turbulência enfrentada em dezembro, quando houve forte desvalorização cambial e venda de reservas. Cabe ao governo, portanto, Poder Executivo e Congresso, enfrentar a questão fiscal, para que o Banco Central não seja obrigado a se desfazer continuamente das reservas. Aliás, o mesmo pode ser dito sobre a política monetária e a taxa de juros.

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PROFESSORES DO IDP, SÃO, RESPECTIVAMENTE, ECONOMISTA-CHEFE E SÓCIO DA WARREN INVESTIMENTOS, EX-SECRETÁRIO DA FAZENDA E PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO; E ECONOMISTA DA WARREN INVESTIMENTOS, COM DOUTORADO PELA USP

Opinião por Felipe Salto

Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo

Josué Pellegrini

Economista da Warren Investimentos, com doutorado pela Universidade de São Paulo, é professor do IDP

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