Neste período em Nova York, os discursos dos líderes são o mais interessante na ONU. Cada país escolhe os problemas que preocupam o mundo e alinha algumas propostas para resolvê-los.
Entre outros, o Brasil escolheu o meio ambiente. Num primeiro discurso, Lula da Silva já havia adiantado que os esforços internacionais para combater as mudanças climáticas eram insuficientes.
Até aí nada demais. A própria ONU já admitira que as metas do Acordo de Paris estão ultrapassadas pela realidade. Supor que a temperatura aumentará, acima dos níveis pré-industriais, 1,5 grau até 2030 é uma ilusão, pois esse marco está para ser ultrapassado. Na verdade, o que pode acontecer até o fim do século é um aumento de 3 graus.
O relativo fracasso humano em conter o aquecimento não se limita ao exame do termômetro. O financiamento internacional para que todos os países pobres invistam na mitigação e adaptação é muito inferior às promessas.
Mas o discurso de Lula em Nova York não confirmou aquela promessa de liderança que parecia possível quando ele falou em Sharm el-Sheikh, no Egito. De lá para cá, aconteceram muitas coisas. O ritmo do aquecimento global prosseguiu e parece ter sido de certa forma acelerado pelos efeitos do El Niño.
Conforme o previsto, mas num nível mais intenso, as condições climáticas no Brasil iriam se agravar. Esperava-se chuva no Sul, mas ela veio muito mais forte. Esperava-se seca no Norte e Nordeste, mas ela veio com calor e algum vento, condições que potencializaram as queimadas.
O fato que era um personagem secundário no cenário nacional torna-se um ator importante, exigindo investimentos, pessoal e planos de ação.
A própria situação internacional do Brasil sofreu alterações. As credenciais para a liderança existem ainda: recursos naturais, capacidade de uma rápida transição energética.
Mas a imagem sofreu um pequeno abalo. A Amazônia, que representava uma esperança para o planeta, pelos milhões de toneladas de carbono que sequestra, de repente passa a emitir milhões de toneladas.
Essa nova situação é bizarra. A Noruega investe na Amazônia precisamente preocupada com o papel da floresta. Mas descobre que as emissões na Amazônia neste período de queimadas suplantam as emissões anuais da própria Noruega.
Além das razões óbvias de preservar a natureza e a saúde das pessoas, comprometida pela fumaça, um combate adequado aos incêndios é também uma forma de poder seguir influenciando a política planetária.
No diálogo internacional é impossível manter a atitude de alguns técnicos de futebol, que dizem: eu venço, nós empatamos, vocês perdem.
O Brasil segue sendo um interlocutor importante, mas precisa agora ajustar suas pretensões à realidade.
Num outro tema, o combate à fome no mundo, o Brasil tem uma boa retaguarda. Um relatório da ONU indica que houve uma queda de 85% no índice de insegurança alimentar no País.
Os cálculos realistas são de que o Brasil deixe o Mapa da Fome já no ano que vem.
Mas ainda assim o discurso de Lula deixa algumas dúvidas. Ele afirma que há alimentos suficientes para toda a humanidade e que é preciso uma decisão política. Uma tese aceitável.
Mas qual seria o caminho? Existem inúmeras iniciativas para combater a fome nos grandes países do mundo. O Brasil iria se unir a elas, liderá-las, revolucioná-las. Quais são as pontes da retórica para a prática internacional?
A guerra tem sido um grande adversário da luta contra a fome. O conflito Rússia-Ucrânia reduziu exportações de alimentos e sobretudo fertilizantes. Em Gaza a situação alimentar e higiênica é grave, tanto que foi preciso uma pequena pausa para evitar uma epidemia de pólio, através da vacinação.
A população do sul do Líbano está abandonando algumas casas, ainda há conflitos no Iêmen, República Democrática do Congo, insurgência do Boko Haram na Nigéria, sem contar as dificuldades crônicas do Haiti.
Em termos práticos, o Brasil está combatendo a fome na Venezuela porque recebemos diariamente 600 refugiados. Só em Pacaraima, o Exército distribui 400 refeições por dia.
O meio ambiente, a fome e a própria reforma da ONU são temas que seguem na pauta no ano que vem.
Não são descartáveis. Mas não podem ser uma simples repetição burocrática. É preciso, a cada ano, confrontá-los com a realidade.
De um modo geral, discursos de líderes na ONU repercutem mesmo nos seus países de origem. É o lugar onde todos em tese conhecem a realidade, as virtudes e os truques retóricos dos dignatários.
Os discursos não mudam o mundo nem sacodem a monotonia do plenário. No entanto, é preciso fazê-los como se isso fosse possível. Fazê-los com base numa prática real, ancorados numa prática cotidiana.
Por enquanto, os discursos em Nova York se sucedem e o tom na ONU continua tranquilo. É o planeta que está em transe, mas não há ainda a disposição prática de pegar o touro à unha. A burocracia internacional continua enamorada de suas palavras, papéis e documentos.
Em tese, diria que possivelmente no próximo ano tudo vai se repetir. Acontece que as próprias mudanças climáticas produzem anos muito diferentes. Ninguém sabe como será o próximo setembro.
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JORNALISTA
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