A confusão de enigmáticas formulações que o vereador Carlos Bolsonaro frequentemente publica em suas redes sociais, especialmente no Twitter, costuma ser motivo de troça. No entanto, poucas vezes o “02” foi tão claro como na segunda-feira passada. “Por vias democráticas”, escreveu, “a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos.”
Trata-se, é evidente, de uma gravíssima sinalização para a ruptura das regras do Estado Democrático de Direito – um golpe – como único caminho para chegar à tal “transformação” do País na velocidade “almejada”, seja lá o que isso signifique.
No Palácio do Planalto, dois auxiliares do presidente disseram ao Estado que “o que Carlos fala não se escreve”. Um ministro de Estado classificou a postagem do vereador como “uma maluquice”. É um erro fazer pouco-caso de tão vil afirmação. É um erro banalizar o absurdo. Todas as vozes em favor da lei, da liberdade e da democracia devem se levantar em horas como essa.
Faz-se urgente e necessária a manifestação do presidente da República. Jair Bolsonaro precisa dizer claramente aos brasileiros o que pensa sobre a declaração de seu filho.
Fosse qualquer amalucado publicando seus desatinos liberticidas na internet – e os há aos montes –, não haveria razões para preocupação. Mas quem veio a público flertar com o golpismo não foi um qualquer, foi um dos filhos do presidente da República, alguém que tem acesso direto a ele e é ouvido a qualquer hora com especial atenção. É muito importante, pois, que o País saiba como seu presidente recebe a grave assertiva de Carlos Bolsonaro.
A declaração do vereador mereceu o repúdio do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “Frases como essa colaboram muito com a insegurança dos empresários brasileiros e estrangeiros de investir no Brasil. A conta de nossas frases é paga pelo povo mais pobre. Cada um de nós tem de refletir e tomar muito cuidado com o que diz”, disse Maia.
A reação do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), à fala de Carlos Bolsonaro foi no sentido de fortalecer a democracia representativa. “No Parlamento brasileiro, a democracia está fortalecida. As instituições estão pujantes, trabalhando a favor do Brasil. Então, uma manifestação ou outra em relação a esse enfraquecimento tem de minha parte o desprezo”, disse Alcolumbre quando perguntado sobre a afirmação de Carlos.
O presidente em exercício, Hamilton Mourão, também veio a público afirmar que “a democracia é fundamental” e que há de se “negociar com a rapaziada do outro lado da Praça (dos Três Poderes). É assim que funciona (no regime democrático). Com clareza, determinação e muita paciência”.
As manifestações das três autoridades foram muito importantes para reassegurar que há gente responsável em Brasília, ciosa do poder que têm suas ações e palavras. Os valores do Estado Democrático de Direito precisam ser defendidos a todo tempo, a qualquer preço. Um golpe contra as instituições democráticas não deixa de ser abjeto só porque não foi levado a cabo. A sua simples sugestão é um caso de lesa-pátria.
Diante da repercussão negativa de sua declaração – não sem razão –, Carlos Bolsonaro veio a público dizer que sua intenção foi acalmar quem exige do governo federal rapidez na mudança nos rumos do País, enfatizando que, “por vias democráticas”, tais mudanças demoram a produzir resultados. Faltou explicar que mudanças são essas e quem as almeja. Ao fim e ao cabo, a culpa, como de hábito, recaiu sobre os jornalistas “canalhas”, incapazes de interpretar corretamente o que quis dizer o vereador. A mensagem, no entanto, foi bem clara. Carlos Bolsonaro é tido como exímio manipulador das redes sociais. Sabia de antemão da gravidade do que escreveria e da repercussão que sua fala teria nas hostes bolsonaristas na internet.
A família Bolsonaro nunca foi particularmente conhecida por sua defesa da liberdade e dos valores democráticos. Por essa razão, é imprescindível que o patriarca, ainda no hospital, faça os devidos reparos ao filho para que não pairem dúvidas sobre o destino que pretende dar a seu governo.