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Freio ao revisionismo histórico no STF

O ministro Mendonça autoriza a renegociação de valores dos acordos de leniência firmados por empresas pilhadas na Lava Jato, mas não a revisão da história, como pretendia Toffoli

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Por Notas & Informações
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Em audiência de conciliação anteontem, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça autorizou empresas que firmaram acordos de leniência no âmbito da Operação Lava Jato a renegociarem os termos pactuados com órgãos públicos. Na superfície, pode parecer que a decisão aprofunda ainda mais a bagunça institucional promovida pelo voluntarismo revisionista do ministro Dias Toffoli. Na prática, é um passo para pôr ordem na casa.

Em setembro passado, Toffoli fez terra arrasada de anos de trabalho de diversas instituições estatais, concedendo uma liminar que anulou todas as provas obtidas por meio do acordo de leniência da Odebrecht (hoje Novonor). Em dezembro, suspendeu a multa acertada com a J&F. Logo depois, suspendeu a multa da Odebrecht.

São decisões eivadas de impropriedades, na forma e no conteúdo. Toffoli deveria ter se declarado impedido na ação da J&F, de quem sua esposa é advogada. De resto, é incompetente. Toffoli assumiu sob sua jurisdição o pedido da J&F, sob o pretexto de que teria relação com uma ação proposta pela Odebrecht. Mas o acordo da J&F, celebrado com o Ministério Público Federal de Brasília sem qualquer relação com os casos de Curitiba, deveria ter sido redistribuído. Casos como esses, de imensa comoção pública e impacto multibilionário para o erário, deveriam ter sido submetidos imediatamente ao plenário. Mas Toffoli tomou decisões monocráticas, algumas em pleno recesso judiciário, cujos efeitos se mantêm.

Ainda mais absurda foi a sua fundamentação. Na decisão que anulou as provas obtidas com a Odebrecht, Toffoli descreveu a Lava Jato como uma imensa “conspiração” com o objetivo de “conquista do Estado”, o “ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições”. Essas alegações genéricas – que ecoam a narrativa lulopetista de um complô urdido pelo FBI e a Justiça brasileira para destruir empresas nacionais e golpear o “governo do povo” – basearam o entendimento de que 100% do que ocorreu na Lava Jato está contaminado.

Em concreto, a única justificativa relevante era de “dúvida razoável” a respeito da voluntariedade dos acordos. A alegação flagrantemente irrazoável é de que empresários amparados por batalhões de advogados dos mais caros do País teriam sido coagidos (no “pau de arara do século 21″, conforme Toffoli) a confessar crimes que não cometeram. A ser assim, os acordos deveriam ser anulados. Mas no entendimento de Toffoli o suposto constrangimento ilegal deve sustar o ônus dos acordos (como multas e restrições à participação em licitações públicas), preservando seu bônus (a não persecução penal).

Todas essas, por sinal, são as alegações dos autores da ação julgada por Mendonça, os partidos de esquerda PCdoB, PSOL e Solidariedade – incomumente sensibilizados com a “perseguição” sofrida por megaempresários num contexto de “Estado de coisas inconstitucional” –, para pedir que os acordos sejam invalidados.

Mas, se havia “dúvida razoável” de “constrangimento ilegal” das empresas, ela caiu por terra na audiência promovida por Mendonça: nenhuma delas sustentou este argumento. Ou seja, os crimes aconteceram, tal como foram confessados. O que as empresas querem é abrandar a sua classificação e, assim, o cálculo das multas. Mas os fatos, como afirmou o ministro, não estão sujeitos à revisão.

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, gosta de dizer que o papel da Corte é ser uma vanguarda iluminista que empurra a história na direção certa. A ambição de Toffoli – que já disse que os ministros são “editores” do País – parece um pouco mais modesta: reescrever a história conforme a narrativa lulopetista. Mas, nesse afã, acabou sendo mais católico que o papa – nem os empresários admitem sua “tese da coação” – e a emenda saiu pior que o soneto – o próprio governo, de olho nas receitas polpudas pactuadas nos acordos, apresentou, por meio da Advocacia-Geral da União, um parecer questionando a suspensão das obrigações pecuniárias da Odebrecht.

O fato é que já passou da hora de o STF deixar a história seguir seu curso, e simplesmente aplicar a lei.