Os tratoraços em Bruxelas e Paris em janeiro surtiram os efeitos imediatos dos furiosos agricultores europeus, todos sabidamente vitaminados por colossais subsídios e proteção. A Comissão Europeia reagiu aos protestos como se esperava: concedeu-lhes mais barreiras comerciais, alívio nos custos de produção e exclusão nas metas climáticas mais ambiciosas assumidas pelo bloco. Pouco importa, na lógica prevalecente no continente, o custo de fomentar um setor que mal consegue competir com seus concorrentes estrangeiros. A agricultura continua sagrada.
Esse conceito foi evidenciado no discurso da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, na cerimônia de abertura do ano legislativo em Estrasburgo, na França. “Nós devemos a eles (agricultores) agradecimento e respeito. (...) Eu sei que eles estão preocupados com o futuro da agricultura e com seu futuro como fazendeiros. Mas eles também sabem que a agricultura precisa de um modelo de produção mais sustentável, para que suas fazendas continuem rentáveis nos próximos anos. E queremos ter a certeza de que, nesse processo, os fazendeiros estejam no comando”, afirmou.
No comando, certamente eles estão. Caso contrário, Bruxelas não teria recuado em tópicos tão caros – como o que consolidaria a União Europeia na vanguarda da defesa do meio ambiente e do combate ao aquecimento global – para dispersar os tratores e seus ruidosos condutores das capitais europeias. Em seu novo compromisso de redução de 90% das emissões de gases do efeito estufa até 2040, apresentado ao Parlamento no dia 6, a parcela a ser cobrada do setor agropecuário foi limada horas antes. Restrições adicionais ao uso de pesticidas caíram sob os gritos dos agricultores, e os países-membros foram autorizados a levantar barreiras contra grãos e alimentos importados de uma Ucrânia devastada por uma guerra.
Craques em queixas e fartos de benesses, os agricultores europeus terão suas razões para protestar contra a alta dos custos de produção e as exigências ambientais adotadas por Bruxelas – as mesmas que o bloco europeu quer impor aos produtores do Mercosul nas negociações do acordo de livre comércio. Como suas próprias demandas revelam, mal conseguem competir com os fazendeiros ucranianos e não seria diferente com os do Mercosul. A competitividade do setor europeu é artificial. Não sobreviveria sem a ampla proteção comercial e o volume gigantesco de subsídios nele despejado pela Política Agrícola Comum (PAC).
Ceder aos agricultores é e sempre será uma sina da Comissão Europeia, com claro sinal político. Mesmo quando está em jogo sua credibilidade na agenda ambiental, o custo da sustentação do setor para seus contribuintes e a distorção no comércio internacional, os fazendeiros serão agradados. E, apesar de terem voltado com seus tratores ao campo, Bruxelas sabe que as queixas do setor não se esgotaram e que as eleições para o Parlamento Europeu, em junho, abrem uma imensa seara para barganhas.