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Galípolo, o equilibrista

Indicado de Lula para presidir o BC terá de explicar ao petista que tolerar inflação elevada arruína não só a reputação da autoridade monetária, mas a popularidade de qualquer governo

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Por Notas & Informações
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A indicação do economista Gabriel Galípolo para a presidência do Banco Central (BC) inaugura uma nova fase nas relações entre a autoridade monetária e o governo. O ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda, número dois do ministro Fernando Haddad, foi o primeiro nome escolhido por Lula da Silva para uma diretoria do BC, o que, de certa forma, já prenunciava seu futuro desde maio do ano passado.

Era natural que a indicação fosse antecipada, em face da proximidade do encerramento do mandato de Roberto Campos Neto no fim deste ano. Depois da guerra particular empreendida pelo petista contra uma figura indicada por Jair Bolsonaro, tudo o que Lula da Silva queria era se livrar de Campos Neto o mais rapidamente possível.

Campos Neto e Galípolo, por sua vez, parecem ter combinado que fariam uma transição tranquila. Aos poucos, o presidente cedeu protagonismo ao diretor de Política Monetária, e o mercado compreendeu o recado – tanto que, no início do mês, Galípolo foi o primeiro diretor do BC a falar que via mais fatores a pressionar a inflação para cima do que para baixo.

As declarações foram suficientes para que parte dos investidores passasse a esperar um aumento da taxa básica de juros no fim deste ano. O próprio diretor preferiu se corrigir e dizer que isso não significava um rumo já definido para a próxima reunião do colegiado. Explicou ainda que essa percepção não era apenas sua, mas que estava na ata do Comitê de Política Monetária (Copom).

Não adiantou muito. Boa parte do mercado continua apostando num aumento dos juros já na próxima reunião, nos dias 17 e 18 de setembro – não por uma questão de credibilidade, mas porque as expectativas para a inflação estão acima da meta de 3% para este ano, 2025 e 2026.

A frase mais forte dita por Galípolo, na semana passada, ainda ressoa entre os investidores: “Na minha interpretação, posição difícil para o BC não é ter de subir juros. Posição difícil é inflação fora da meta, que é uma situação desconfortável. Subir juros é uma situação cotidiana para quem está no BC”.

Ainda segundo Galípolo, todos os diretores estavam dispostos a fazer o necessário para trazer a inflação de volta à meta. Em outros tempos, uma frase como essa seria tomada como óbvia, mas significa muito quando se considera que o Comitê de Política Monetária terá sete de seus nove membros indicados pelo presidente Lula da Silva no ano que vem.

O cenário econômico continua desafiador para o Banco Central. De um lado, o dólar recuou das máximas registradas há algumas semanas, mas não voltou aos níveis do início deste ano. De outro, o Federal Reserve, o banco central norte-americano, deixou claro que iniciará um ciclo de queda dos juros já na próxima reunião.

Internamente, dados mais recentes mostram uma inflação mais benigna, sobretudo em serviços. Mas o mercado de trabalho segue aquecido, o desemprego continua em níveis historicamente baixos e as projeções para o crescimento da economia têm sido ajustadas para cima.

Lula da Silva, por sua vez, reluta em adotar reformas estruturais e defende políticas controversas adotadas no passado. Já o ministro Fernando Haddad tenta aumentar receitas e aposta em pentes-finos em benefícios sociais para controlar o crescimento dos gastos.

Como disse o ex-diretor do BC Tony Volpon, a proximidade pessoal e política entre Galípolo e o governo é seu maior trunfo e, também, sua maior fragilidade. A julgar por suas declarações recentes, não há motivo para preocupações, mas o histórico das administrações petistas tampouco autoriza ingenuidade.

A próxima reunião do Copom será o primeiro teste do futuro presidente do BC. Mas o mandato é longo, e o horizonte relevante, que deve pautar as decisões da autoridade monetária, é o ano de 2026, o mesmo que guia as ações de Lula da Silva.

Caberá a Galípolo mostrar ao presidente que a tolerância com uma inflação mais elevada arruína não apenas a reputação da diretoria do BC, em especial a de seu presidente, mas também a popularidade do governo, ativo crucial para quem pretende disputar a reeleição ou eleger um sucessor.