Para quem levou meses para votar o Orçamento deste ano, o Legislativo demonstrou uma presteza ímpar na última quinta-feira. Em questão de horas, a Comissão Mista de Orçamento e o Congresso aprovaram a proposta após um acordo com a ministra Gleisi Hoffmann, que recentemente assumiu a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República. Pudera. A negociação custou a bagatela de R$ 61,7 bilhões.
O Congresso fixou a verba reservada para as emendas parlamentares em R$ 50,5 bilhões. Mas deputados e senadores também terão voz na indicação de R$ 11,2 bilhões em despesas discricionárias do Executivo. Esses recursos poderão ser usados para retomar emendas de anos anteriores, as quais o governo havia se comprometido a pagar nas negociações para aprovação do pacote fiscal, no fim do ano passado, mas que haviam sido suspensas por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, por falta de transparência a respeito da autoria ou do destino das indicações.
O pacto abriu caminho para destravar a apreciação da peça orçamentária, que caminhava para entrar no mês de abril sem ser aprovada. Sem o Orçamento, o governo só podia executar uma fração dos gastos previstos para o ano, equivalente a 1/18 avos. O boicote do Congresso chegou ao ponto de prejudicar a liberação de financiamentos do Plano Safra aos agricultores e exigiu do governo a edição de uma medida provisória, com abertura de crédito extraordinário, para evitar que as operações fossem suspensas.
Agora que o Orçamento foi finalmente aprovado, problemas como esse não devem se repetir, mas outros certamente surgirão. A proposta, afinal, continua com uma previsão otimista de receitas e uma projeção subestimada de despesas, e será difícil remanejar recursos para garantir que todos os gastos previstos sejam realmente executados.
O Pé-de-Meia, que concede bolsas a estudantes inscritos no Cadastro Único para incentivá-los a concluir os estudos e a fazerem o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), tem apenas R$ 1 bilhão para este ano. O programa ainda precisa de R$ 13 bilhões, a serem incluídos depois, por meio de um projeto de lei ou eventual remanejamento.
O Bolsa Família teve a verba cortada em R$ 7,7 bilhões para garantir dinheiro para o Auxílio Gás. Ninguém, no entanto, espera uma redução no número de famílias beneficiadas, mas apenas um pente-fino para apurar irregularidades.
Gastos com aposentadorias e pensões, Benefício de Prestação Continuada (BPC), seguro-desemprego e abono salarial foram suplementados, mas os valores reservados continuam insuficientes para arcar com o gasto previsto para o ano todo.
Quanto à arrecadação, o Orçamento projeta uma arrecadação de R$ 28,5 bilhões com julgamentos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), ainda que eles tenham rendido apenas R$ 307,8 milhões ao governo no ano passado.
Também estão previstas receitas de R$ 20,9 bilhões com o aumento das alíquotas da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do Imposto de Renda dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), embora as propostas não tenham sido aprovadas pelo Legislativo.
E a despeito desse evidente descasamento entre receitas e despesas, os parlamentares ainda acreditam que o País encerrará o ano com um superávit de R$ 15 bilhões, prova de que o papel, de fato, aceita tudo. Já a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado estima um déficit de R$ 15 bilhões.
Atingir um superávit estrutural entre receitas e despesas só será possível quando houver reformas, e não é isso que governo e Congresso almejam. Parece absurdo para um país como o Brasil contar com um Orçamento pouco realista, mas é isso que possibilita ao governo adiar ao máximo a necessidade de bloquear ou contingenciar despesas.
Para o Executivo, isso significa assegurar verba para os programas sociais que serão usados como bandeiras eleitorais de Lula da Silva, e para o Congresso, é o caminho para garantir o pagamento de suas emendas parlamentares. A contrapartida é uma taxa básica de juros a 14,25% ao ano, mas isso não parece incomodá-los.