Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Haddad, o sobrevivente

Haddad terá o desafio de convencer o País de que tem peso e voz no governo, que pode resistir à artilharia do PT e que é um ministro da Fazenda de fato, e não um mero operador de Lula

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
3 min de leitura

Epicentro da crise que abalou o real e atormentou o governo de Lula da Silva nas últimas semanas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, terá muito mais trabalho nos primeiros meses de 2025. Sua principal tarefa é uma espécie de retorno à cartilha básica do posto que ocupa: convencer o mercado financeiro, o mundo corporativo e demais setores da economia de que tem peso e voz no governo, que ainda pode ser um guardião da sobriedade econômica, do equilíbrio fiscal e do controle da inflação e que pode sobreviver à artilharia pesada de petistas contra sua gestão – e derrotá-la. Haddad terá como missão, portanto, mostrar que pode ser um ministro da Fazenda de fato, e não um mero operador obediente de Lula, desidratado pelo pensamento rupestre do PT em matéria econômica.

Desde o desastrado anúncio do pacote de revisão de gastos do governo e seus efeitos imediatos – o amargor do mercado, a disparada do dólar e a elevação da curva futura de juros –, ficou claro que o PT se impôs sobre Haddad. Sua fragilidade como ministro não se revelou somente na esqualidez do pacote, mas também na sucessão de fatos que o tisnaram: primeiro, a sensação de desconfiança diante dos sucessivos adiamentos do anúncio, um sinal de que Haddad enfrentava dificuldades para fazer até mesmo o básico; segundo, o tamanho do corte, muito menor do que o esperado; terceiro, a decisão de reunir no mesmo anúncio a contenção de gastos e uma reforma no Imposto de Renda para isentar quem ganha até R$ 5 mil, uma sugestão do marqueteiro de Lula, Sidônio Palmeira, a que Haddad supostamente resistiu.

Há algo de errado quando, em assuntos econômicos, um marqueteiro prevalece sobre um ministro da Fazenda. Há algo de muito errado quando as decisões do homem forte da economia parecem cada vez menos fruto de suas ideias. Nenhum ministro da Fazenda do Brasil tem vida fácil, mas sua sobrevida no posto e, sobretudo, sua contribuição para o País dependem em grande medida da credibilidade que preserva. O risco, para Haddad, é ver desmilinguir a relevância de suas palavras, a eficácia de suas medidas e o peso de suas ideias num governo que não hesitou em fragilizá-lo.

Uma máxima em Brasília sugere que todo ministro da Fazenda dorme com uma espada de Dâmocles sobre a cabeça. Depois do presidente, nenhum posto acumula tanto poder e ao mesmo tempo sofre tantas pressões. Poucos empregos no País têm, simultaneamente, tamanha força e fragilidade. No abismo que separa uma coisa da outra, porém, há uma linha tênue, em geral preservada segundo o nível de eficiência do ministro, sua capacidade de oferecer previsibilidade e confiança e o respaldo concedido pelo chefe. Assim foram as marcantes gestões de poderosos e eficientes ministros como Fernando Henrique Cardoso, Pedro Malan e Henrique Meirelles.

Haddad enfrenta hoje um ambiente distinto do que, por exemplo, enfrentou o primeiro ministro da Fazenda de Lula, Antonio Palocci. Mesmo com um poderoso José Dirceu no comando da Casa Civil e da ala política do governo, e sob o grito histérico de petistas inconformados com sua política fiscal, Palocci teve autoridade para preservar o tripé macroeconômico (câmbio flutuante, sistema de metas para inflação e controle das contas públicas) herdado de FHC, alinhar-se com um responsável presidente do Banco Central (Henrique Meirelles), montar uma equipe de liberais competentes (Marcos Lisboa e Joaquim Levy entre eles) e promover reformas microeconômicas importantes. Foram feitos que ajudaram a pavimentar o caminho de Lula, a ponto de o presidente reeleger-se mesmo debaixo da tempestade do mensalão.

Se foi a força econômica que ajudou presidentes a superarem crises políticas – como Lula em 2006 e Michel Temer em 2017 –, foram desastres econômicos a pá de cal da derrocada política de outros, como Fernando Collor em 1992 e Dilma Rousseff em 2016. Dos melhores aos piores exemplos, contudo, uma coisa é certa: não se constrói fortaleza econômica sem ministros da Fazenda efetivamente fortes, dentro e fora do governo. Um corolário que precisará estar na cabeça de Haddad caso o ministro ambicione superar a imagem de fraqueza com a qual terminou 2024. E, sobretudo, se quiser deixar alguma marca para a economia brasileira.