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Horizonte complexo para a economia

Em simpósio nos EUA, autoridades monetárias anteveem inflação mais alta e persistente; tensões geopolíticas e transição energética elevam risco de inflação de oferta

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Por Notas & Informações
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O encontro deste ano dos líderes dos bancos centrais em Jackson Hole, nos Estados Unidos, tornou evidente a limitação de instrumentos de política monetária para fazer frente às pressões inflacionárias mais fortes deste e dos próximos anos. O desafio de combater a inflação e trazê-la para um nível sustentável mostra-se mais complexo que o exposto nos simpósios anteriores. As implicações negativas da transição energética e dos conflitos e tensões geopolíticas sobre as cadeias de suprimento de bens e serviços tornaram mais difícil a missão das autoridades monetárias.

Outros vetores de incerteza sobre a oferta, cada vez menos elástica, somam-se àquelas a serem analisadas minuciosamente pelos bancos centrais a partir de agora. A redução do crescimento da China, exposta à crise imobiliária sem precedentes e ao comércio mais restritivo com seus maiores parceiros, é uma delas. Mas há de considerar também os efeitos deixados pela pandemia de covid no sistema global de suprimento, o protecionismo, o envelhecimento da população e o descuido com o equilíbrio fiscal.

Um dos principais temores de escalada da inflação de oferta diz respeito à fragmentação do comércio, por razões geopolíticas. As economias desenvolvidas buscam cada vez mais dissociar-se da dependência de insumos, bens acabados e serviços produzidos por países não aliados ou fora de sua esfera de influência e estimular, via subsídios, a substituição de importações. O empenho dos Estados Unidos em reduzir sua dependência de bens produzidos na China e em restringir seu comércio com Pequim de bens de alta tecnologia ilustra esse movimento. Isso significa uma mudança substancial na estrutura de produção e de comércio consolidada nas primeiras décadas da globalização, que traz consigo incógnitas sobre a capacidade de fornecimento e os seus custos refletidos nos preços.

O quadro exposto pelas autoridades em Jackson Hole gera preocupação. Em seu discurso, a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, sublinhou que um desafio de tal magnitude jamais foi enfrentado pelos bancos centrais. “Não há manual preexistente para a situação que estamos enfrentando. Então, nossa tarefa é rascunhar um novo”, declarou. O presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, endossou o horizonte de incertezas ao declarar que “estamos navegando pelas estrelas com céu encoberto”.

Em seu diagnóstico da economia americana, Powell afirmou que a inflação “permanece alta demais” e que o Fed está preparado para elevar mais a taxa básica de juros – hoje de 5,25% a 5,5% ao ano – e manter a política restritiva até alcançar a meta de inflação de 2% ao ano. Esquivou-se, porém, de tocar outro ponto nevrálgico para atingir esse objetivo: a contenção de gastos pelo governo de Joe Biden, até o momento seguidor de uma cartilha expansionista.

Diante das incertezas sobre a oferta, o esforço fiscal tornou-se ainda mais essencial na calibragem das taxas de juros pelas autoridades monetárias. Reduzir gastos públicos de forma coerente e adequada tem seu mérito em uma equação cujo resultado esperado é controlar e reduzir a inflação sem impor danos desnecessários à economia. Trata-se de receita defendida, apesar da resistência feita pelo governo Lula, pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que não participou do encontro.

O aumento dos juros em curto prazo foi sinalizado não apenas por Powell, mas também pelas autoridades do Japão e de outros países presentes no encontro. Eles ainda fincam os pés na estratégia, há muito trilhada, de conter inicialmente a demanda, para depois replicar seus efeitos no restante da economia. O consenso de Jackson Hole sobre o risco iminente de acentuada inflação de oferta, porém, exigirá dos bancos centrais ampliar seu entendimento e análise sobre as dinâmicas das cadeias globais de suprimento, como condição de toda e qualquer decisão responsável. Disso dependerá, entre outras coisas, a preservação da credibilidade das instituições monetárias.