É compreensível - e justa - a atenção que o governo federal tem dado ao Sínodo sobre a Amazônia, encontro global de cerca de 250 bispos da Igreja Católica que ocorrerá entre os dias 6 e 29 de outubro, no Vaticano, para discutir questões indígenas, condições dos povos ribeirinhos, políticas de desenvolvimento para aquela região e questões envolvendo meio ambiente e mudanças climáticas. Tudo o que diz respeito à Amazônia e o que lá se faz, obviamente, exige a monitoração do governo brasileiro, afinal se trata de uma área de 5 milhões de km², o equivalente a 59% do território nacional. É ingênuo achar que seria diferente, quem quer que fosse o chefe do Poder Executivo.
Dito isso, há de ser feita uma clara delimitação do espaço de atuação do governo, ou mesmo de acompanhamento, em um evento como o Sínodo, para que não paire sobre órgãos do Estado qualquer suspeita de desinformação, no melhor cenário, ou de arbítrio, no pior.
O governo do presidente Jair Bolsonaro extrapola esse limite quando, por exemplo, diz que irá recorrer aos bons ofícios da Itália - que passa por um bom momento com o Brasil desde a extradição do terrorista Cesare Battisti - para que interceda junto à Santa Sé a fim de evitar “ataques diretos à política ambiental e social do governo brasileiro” durante o Sínodo e para permitir a presença de representantes do governo brasileiro no evento.
O Brasil não precisa recorrer à Itália para advogar por seus interesses junto à Santa Sé. Por força do Decreto n.º 7.107/2010, o País reconhece a “personalidade jurídica da Igreja Católica e de todas as Instituições Eclesiásticas que possuem tal personalidade em conformidade com o direito canônico, desde que não contrarie o sistema constitucional e as leis brasileiras” (art. 3.º). O Brasil tem embaixada no Vaticano. E aqui recebe o Núncio Apostólico. É por este canal diplomático que haverá de encaminhar seus pleitos.
O governo enxerga a Igreja Católica como “potencial opositora” em virtude da atuação de alas “progressistas” do clero que estariam ocupando o espaço aberto por uma oposição fragmentada. O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno Ribeiro, disse que “há uma preocupação do Planalto com as reuniões e os encontros preparatórios (para o Sínodo sobre a Amazônia) que ocorrem nos Estados”. Heleno e o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, hoje assessor do GSI, foram comandantes militares em Manaus e conhecem profundamente a região amazônica. O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, também liderou tropas na Amazônia à frente da 2.ª Brigada de Infantaria de Selva, em São Gabriel da Cachoeira. São pessoas que sabem do que estão falando e devem ser ouvidas com atenção quando externam suas preocupações.
“Há muito tempo existe uma influência da Igreja e de ONGs na floresta”, disse o ministro Augusto Heleno ao Estado. O objetivo do “estudo cuidadoso” da questão pelo GSI, segundo ele, é impedir que “interesses estranhos” prevaleçam na Amazônia. É uma situação preocupante que, por isso mesmo, deve ser tratada com os cuidados que a diplomacia põe à disposição do Estado.
Há muito tempo as ONGs têm atuado na Amazônia, e muitas delas com escopos de atuação bastante obscuros, assim como a origem dos recursos que as mantêm. Falta transparência e é imperioso que o governo federal aja para fiscalizar as suas atividades no País.
Uma coisa, no entanto, é o acompanhamento da atividade das ONGs. Outra é uma eventual tentativa de interferência direta do Estado brasileiro em uma ação da Santa Sé. O Sínodo, afinal, é uma reunião de bispos convocada pelo papa para tratar de assuntos concernentes à atividade da Santa Sé.
Caso os bispos reunidos no Sínodo proponham políticas que aflijam o governo, a este caberá respondê-las pelos meios diplomáticos cabíveis, sempre lembrando que a interferência de quem quer que seja nos rumos da política brasileira para a Amazônia é uma questão de defesa nacional e, portanto, de soberania.