Após castrar politicamente a oposição, impedindo a inscrição de seus candidatos para as eleições de julho, o ditador Nicolás Maduro deu o golpe de misericórdia no que restava da democracia venezuelana. O regime engendrou uma lei “Contra o Fascismo, Neofascismo e Expressões Similares”. Entre os traços distintivos do “fascismo” – além do “chauvinismo”, “classismo” ou “qualquer tipo de fobia contra o ser humano” – constam o “conservadorismo moral” e o “neoliberalismo”. Em resumo, “fascista” é todo aquele que o regime disser que é. Com isso, a ditadura chavista se deu carta branca para censurar de vez a imprensa e redes sociais, proibir reuniões e manifestações pacíficas e dissolver partidos políticos ou instituições da sociedade civil consideradas “fascistas” ou – para não deixar sombra de dúvida da arbitrariedade – “similares”.
Entre manifestações puníveis com mais de 8 anos de cadeia estão as que promovem “a violência como método de ação política”, “reproduzem a cultura do ódio”, “denigrem a democracia e suas instituições”, “promovem a suspensão de direitos e garantias” e “exaltam princípios, fatos, símbolos e métodos do fascismo”. A ironia é que, se houvesse Justiça independente na Venezuela, Maduro e seus bate-paus seriam os primeiros a ser punidos por esses crimes, a começar pelo último. Não há na América do Sul nada mais similar ao regime fascista de Mussolini que o regime chavista.
Como de hábito em regimes autoritários – vide a Rússia de Vladimir Putin –, a repressão interna retroalimenta a agressão externa e vice-versa. A perseguição de dissidentes é legitimada pela “lei” e impulsionada pela “ameaça à segurança nacional”. Como não havia nenhuma, Maduro a fabricou, ameaçando a Guiana. Pari passu à lei antifascismo, Maduro promulgou outra lei criando o Estado venezuelano da “Guiana Essequiba”, o que, em tese, significa anexar 70% do território guianense.
Não há surpresa em nada disso. O que surpreende é a inacreditável pusilanimidade do Brasil.
A condenação da comunidade internacional civilizada é unânime, inclusive de lideranças de esquerda latino-americanas. Todos os países do Mercosul, com exceção do Brasil, condenaram sem meias palavras a orgia totalitária chavista. O presidente chileno, Gabriel Boric, recriminou “a detenção arbitrária de representantes políticos da oposição”. O colombiano Gustavo Petro classificou como “golpe antidemocrático” a inabilitação da líder de oposição María Corina que o presidente Lula chancelou como um processo judicial perfeitamente limpo. O ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, ícone da esquerda latino-americana, vocalizou o veredicto final: “Isso não se pode chamar democracia”.
Já Lula rebaixou o Estado brasileiro a uma usina de panos quentes. No improviso de uma entrevista coletiva, Lula se descuidou de sua habitual hipocrisia deixando escapar que considera “grave” o bloqueio à candidatura da substituta de Corina, mas, oficialmente, o máximo que permitiu à sua chancelaria foi uma nota de “preocupação”. O resto é silêncio, mesmo ante a ameaça de um conflito regional.
O Brasil mediou em São Vicente e Granadinas um acordo entre a Venezuela e a Guiana em que ambos os países se comprometiam a manter o diálogo diplomático “sem provocações”. É mais um pacto que Maduro manda pelos ares. No Itamaraty, silêncio obsequioso. Sem qualquer laivo de reprovação, o chanceler paralelo de Lula, Celso Amorim, prometeu “reforçar o diálogo” com Maduro.
A esfera de influência do Brasil não é o Leste Europeu ou o Oriente Médio. Mas, para conflitos nessas regiões, a indignação de Lula atinge estratosferas hiperbólicas. Já quando a ameaça se ergue do outro lado de suas fronteiras, nem meia palavra de recriminação, só frases inteiras de contemporização. Sequestrada pelas afinidades pessoais e ideológicas de Lula, a política externa nacional é desmoralizada ante a comunidade internacional e o capital diplomático brasileiro é dilapidado a olhos vistos. E assim o Brasil, uma potência regional média, é reduzido, contra seus mais elementares interesses, a uma impotência medíocre.