Incentivos financeiros, quando acertam o alvo, têm enorme poder de transformar a realidade. Daí a expectativa de que as redes municipais de educação, responsáveis por sete em cada dez alunos nos anos iniciais do ensino fundamental do País, consigam dar um salto de qualidade ao longo desta década, com a entrada em vigor de novos critérios de repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para os municípios. A novidade é que a chamada cota-parte municipal do ICMS levará em conta índices de aprendizagem e de redução de desigualdades educacionais. Ou seja, a melhoria da qualidade da educação representará mais dinheiro no caixa das prefeituras.
Tal mecanismo tira proveito da máxima segundo a qual o ponto mais sensível de cada indivíduo é o bolso − e a lógica dos governos não é muito diferente disso. Ao transformar a melhoria da qualidade da educação em aumento de receita, o novo cálculo busca mobilizar os prefeitos em favor das políticas educacionais. Isso, sem dúvida, deverá contribuir para transformar positivamente a realidade das salas de aula.
A mudança nos critérios de repasse do ICMS foi aprovada em 2020, quando o Congresso criou o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). A Emenda Constitucional n.º 108 deu dois anos para que os Estados regulamentassem o dispositivo, prazo esse que se encerrou no último mês de agosto. Em muitos Estados, as Assembleias Legislativas correram para cumprir o prazo constitucional. Infelizmente, não foi o que ocorreu em São Paulo, onde o Projeto de Lei 424/2022 permanece em análise.
Como se sabe, políticas públicas exigem o trabalho de muita gente. E é imprescindível que o pontapé inicial dado pelo Congresso tenha sequência nos Estados. Do contrário, uma boa ideia corre o risco de parar no meio do caminho.
Os governos estaduais arrecadam o ICMS e devem repassar um quarto da receita às prefeituras. Atualmente isso é feito com base em critérios variados − um deles, o número de habitantes de cada município. A Emenda Constitucional n.º 108 trouxe duas inovações: primeiro, determinou que indicadores educacionais sejam utilizados no cálculo de uma parcela dos repasses; além disso, fixou um porcentual mínimo a ser transferido com base nesses mesmos indicadores educacionais.
A emenda constitucional estabeleceu as regras gerais. Cada Estado, no entanto, manteve a prerrogativa de detalhar os critérios educacionais que serão observados. Da mesma forma, os Estados podem elevar o porcentual cuja transferência ficará atrelada à melhoria dos indicadores educacionais. Isso é feito na regulamentação do dispositivo.
A vinculação de receitas do ICMS à educação foi adotada primeiramente no Ceará, Estado que virou referência nacional em educação, notadamente nos anos iniciais do ensino fundamental. Vale lembrar que é nessa fase que se dá a alfabetização, momento decisivo para a trajetória escolar das crianças. A melhoria das redes municipais, portanto, tende a produzir avanços no sistema educacional como um todo.
Incentivos financeiros já produziram importantes resultados na educação brasileira. Nos anos 1990, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), precursor do atual Fundeb, contribuiu para universalizar o ensino fundamental. Fez isso ao determinar que recursos da educação, no âmbito de cada Estado, fossem redistribuídos com base no número de alunos matriculados. Tal mecanismo, até então inexistente, serviu de estímulo para que as redes públicas buscassem atender o maior número possível de crianças. De uma hora para outra, ter mais estudantes nas escolas públicas significou receber mais verbas.
O que está em jogo agora não é um avanço quantitativo, mas um salto de qualidade. Quanto mais os alunos aprenderem, mais recursos as prefeituras receberão. Vincular repasses do ICMS à melhoria de indicadores educacionais é uma iniciativa que caminha na direção certa.