Na pandemia, enquanto a agropecuária nacional bate recordes, a indústria sofre uma retração sem precedentes. O contraste dramático é fruto de décadas de decisões em políticas públicas, pesquisas e investimentos acertadas no agronegócio – e equivocadas na indústria. Mas a solução para a regeneração da indústria e a propulsão da agropecuária não está em planejamentos estanques para uma e outra, e sim em integrá-las num ciclo de retroalimentação.
Assim como a pandemia acelerou a digitalização e ressaltou o valor da ciência, ela acentuou a urgência de uma relação equilibrada entre o ser humano e o meio ambiente. A Bioeconomia é uma oportunidade de combinar estas tendências.
A posição do Brasil é privilegiada. “Temos, agora, uma oportunidade de reindustrializar o País a partir de novas premissas e de uma série de vantagens comparativas”, aponta o estudo Bioeconomia e a Indústria, da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Temos um enorme território com terras férteis, água e alta insolação; além da maior biodiversidade do planeta, onde podemos encontrar as soluções da natureza para praticamente todas as reações químicas e bioquímicas a serem aplicadas na indústria; temos uma frota de veículos movida em grande parte por biocombustíveis, o que gerou o desenvolvimento de uma cadeia de inovação completa que pode ser replicada; temos uma infraestrutura razoável e que pode ser expandida por todo o País de modo a diversificar e descentralizar a nossa indústria; temos hoje marcos regulatórios para lidar com propriedade intelectual, biodiversidade e conservação da natureza; e, temos um enorme conhecimento e capacitação dentro dos nossos ICTs (Institutos de Ciência, Tecnologia e Inovação), que hoje estão preparados para interagir com o setor produtivo e gerar inovações.”
Some-se a isso a vasta proporção do território cultivável, com desenvolvimentos na agropecuária intensiva que fazem do País um dos principais produtores de alimentos, fibras e bioenergia.
Um estudo da WRI Brasil, Coppe/UFRJ e ex-executivos do Banco Mundial aponta que a economia verde pode gerar 2 milhões de empregos e adicionar R$ 2,8 trilhões ao PIB brasileiro – 38% a mais em relação ao PIB de 2019. A pesquisa indica três áreas estratégicas: projetos de qualidade em infraestrutura; tecnologias sustentáveis na indústria; e produção intensiva na agricultura. Para fomentar estas estratégias, a CNI aponta três pilares: regulamentação, ciência e desenvolvimento.
O ponto de partida é a modernização do marco regulatório, com a construção de uma nova Política Nacional de Bioeconomia que defina estruturas de governança; simplifique e fomente a relação dos ICTs com o setor produtivo; agilize a concessão de patentes da Bioeconomia; e capacite e alinhe órgãos fiscalizadores e usuários de recursos da biodiversidade.
A interação entre indústrias e ICTs é crucial. Isso implica aproximar a indústria de todos os níveis da educação; incorporar doutores à indústria; disseminar oportunidades da Bioeconomia para a sociedade como forma de atrair investimentos e desenvolver políticas públicas; mapear a biodiversidade com potencial de gerar valor agregado para a indústria; e encontrar novos usos para produtos de origem biológica.
Para atrair investimentos, a CNI sugere desenvolver mecanismos especializados de financiamento para inovação; estimular a divisão de riscos dos investimentos entre o governo e a indústria; estimular o capital de risco corporativo em empresas iniciantes; atrair fundos estrangeiros; e fomentar a pesquisa no desenvolvimento de novos bens e serviços baseados em recursos da biodiversidade.
“O Brasil pode se reinventar como superpotência tropical da biodiversidade, o que, forçosamente, se dará a partir da conexão entre conhecimento e empreendedorismo, como bases para a inovação”, afirma a CNI. Os recursos são abundantes. Transformar estas vantagens comparativas em vantagens competitivas dependerá da capacidade do País de consolidar uma agenda conjunta entre governo, setor privado e academia.