O resultado mais recente da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) confirmou tendência que vem se delineando nos últimos meses de queda no endividamento das famílias ao mesmo tempo que aumenta a inadimplência. O porcentual de endividados, que em maio e junho deste ano chegou a 78,8%, vem caindo gradativamente e em outubro ficou em 76,9%. Já a inadimplência faz o caminho inverso e em outubro chegou a 29,3%, o maior nível em um ano. Entre os mais vulneráveis foi ainda maior, alcançando 37,7%.
A Confederação Nacional do Comércio (CNC), que faz o monitoramento mensal, prevê que neste bimestre o endividamento volte a aumentar, por causa das compras tradicionais de fim de ano, mas os detalhes revelados pela pesquisa causam apreensão. Tome-se, por exemplo, a parcela de famílias com dívidas em atraso por mais de 90 dias, que cresce mês a mês e já chega a 50,4% do total dos endividados, o maior porcentual desde fevereiro de 2018. Além disso, 20,5% declararam ter mais da metade de seus rendimentos comprometidos com dívidas.
O fato de dados como esses apontarem para um evidente beco sem saída torna inadmissível o incentivo persistente do governo Lula da Silva ao crédito e ao consumo como única via de crescimento. A mesma imprudência que está empurrando o endividamento público para algo em torno de 80% do Produto Interno Bruto (PIB) ao fim do ano faz o governo estimular o aumento do crédito privado.
Subsídios à indústria automotiva são recorrentes para elevar o consumo. No ano passado, houve o corte do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do PIS/Confins para tentar reduzir preços. Neste ano, veio o Programa Mover, para concessão de créditos para abater tributos até 2028. De acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), as vendas de carros tiveram em outubro o melhor desempenho dos últimos dez anos. Boa parte das vendas depende de financiamento, o que eleva o endividamento privado.
A alta do PIB, puxada pelo consumo das famílias e do governo, poderia ser considerada positiva, não fosse o alto risco de insustentabilidade. E esse é o maior problema do atual governo: seu o horizonte de planejamento é estreito, como o provam as muitas medidas de efeito temporário que são anunciadas a título de enfrentar o desequilíbrio fiscal.
A pesquisa da CNC mostra que 12,6% das famílias endividadas afirmaram não ter condições de quitar seus débitos, também o maior índice desde outubro do ano passado. Um maior rigor fiscal do governo poderia frear o aumento da taxa básica de juros, o que, ao longo do tempo, representaria um alívio aos consumidores. Ao invés disso, a gastança pública continua a empurrar os juros para cima.
O aumento da inadimplência dos consumidores, mesmo diante do pequeno recuo no endividamento das famílias, é um sinal que merece ser observado com atenção. Ao basear seu plano de crescimento econômico na intensificação de gastos, tanto públicos quanto privados, Lula da Silva parece montar uma armadilha que tem na insolvência seu final mais provável.