Foi um grande dia para o serviço secreto de Israel, o maior desde a humilhação no 7 de Outubro, quando terroristas palestinos penetraram o país, massacraram mais de 1.200 pessoas e sequestraram mais de 200. Na terça-feira, foi a vez de Israel humilhar brutalmente o Irã e as duas principais milícias do seu “Eixo de Resistência”, o Hezbollah e o Hamas.
Como de hábito nessa guerra nas sombras, os detalhes são opacos e as consequências, imprevisíveis. Em retaliação a um ataque a míssil (que o Hezbollah não assume) que matou 12 crianças num campo de futebol nas Colinas de Golan, as forças israelenses bombardearam um prédio em Beirute onde estaria um alto comandante do Hezbollah, Fuad Shukr. O Hezbollah não confirmou a morte. Horas depois, outro míssil matou o líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, em Teerã, onde estava para participar da posse do novo presidente iraniano. Israel não confirma nem nega a autoria. Mas todos ouviram a mensagem: o alto escalão do autoproclamado “Eixo de Resistência” não está a salvo em lugar nenhum. Foi uma demonstração de força, com grande potencial dissuasório, mas também grandes riscos.
De pronto, as negociações para um cessar-fogo em Gaza serão retardadas. Além de perpetuar a calamidade dos palestinos, isso continuará abastecendo as tensões entre o Hezbollah e Israel, que têm trocado disparos desde o 7 de Outubro.
O pior cenário seria uma escalada por parte do Hezbollah – que tem um poder de agressão muito maior que o do Hamas – ou ataques das outras milícias do Eixo ou mesmo do Irã. Mas é improvável. Alguma retaliação há de vir. Mas pode ser calculada para arrefecer, antes que acirrar os ânimos, como no toma lá dá cá entre Irã e Israel em abril.
Na ocasião, o gatilho foi o assassinato de um oficial iraniano em Damasco. Agora, o ataque foi em Teerã, mas a um líder palestino. O Irã vive instabilidades domésticas, após a morte súbita do último presidente. Embora as hostilidades entre o Hezbollah e Israel tenham sido contínuas, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, explicitou que cessaria os ataques no momento em que um cessar-fogo fosse pactuado em Gaza. A condição implícita de Israel – de que o Hezbollah recue na fronteira – é realista e não sugere interesse em intensificar o conflito.
Haniyeh vinha advogando por um cessar-fogo, e sua morte pode dar mais ingerência ao líder militar do Hamas, Yahya Sinwar, que resiste a concessões. Por outro lado, Israel tem eliminado colegas de Sinwar, que está cada vez mais isolado e pressionado pelos palestinos. O premiê Benjamim Netanyahu tem sido ambivalente a propósito de um acordo. Mas, se quiser, os triunfos de terça podem lhe dar mão forte nas negociações.
A verdade é que nem Israel, nem o Hezbollah, muito menos o Irã e menos ainda o principal aliado de Israel, os EUA, querem uma conflagração. Mas os ataques de terça tornam a situação mais volátil, e um erro de cálculo, mais perigoso. A iniciativa está com o Irã e o Hezbollah e os próximos dias revelarão suas intenções. Por ora, uma coisa é certa: o mundo se livrou de dois carniceiros.