O Estado brasileiro assumiu a custódia da Embaixada da Argentina na Venezuela após o ditador Nicolás Maduro, movido exclusivamente por vingança, expulsar de seu país todo o corpo diplomático argentino. A Casa Rosada, como se sabe, não endossou a farsa eleitoral do caudilho, expressando de forma inequívoca, em conjunto com outros seis países da região, suas fundadas dúvidas em relação à “vitória” de Maduro ao final de um processo eleitoral que foi fraudado por ele do início ao fim.
O resultado material desse diálogo de alto nível entre Brasil e Argentina, não apenas entre dois indivíduos – os presidentes Lula da Silva e Javier Milei –, produziu uma cena a um só tempo inusitada e pungente: o hasteamento da bandeira brasileira em plena sede da representação diplomática argentina em Caracas. Na prática, isso significa que ora cabe ao Brasil muito mais que o cuidado físico com o imóvel. O País passou a ser responsável pelo resguardo dos interesses da República Argentina na Venezuela e os dos cidadãos argentinos que estão no país, residentes ou temporários.
Ademais, em digno gesto humanitário, o governo Lula da Silva concordou em abrigar opositores do regime chavista que acorreram à Embaixada da Argentina em busca de proteção contra a brutal repressão ordenada por Maduro. As Forças Armadas da Venezuela, as polícias e as milícias que o ditador controla já deixaram um saldo de dezenas de mortos e desaparecidos, além de centenas de feridos e presos arbitrariamente. O “banho de sangue” prometido por Maduro em caso de derrota, como está claro, materializou-se, como sói acontecer em qualquer ditadura: uma política contra dissidências a um governo ilegítimo.
Por tudo isso, Milei, que já ofendeu Lula diversas vezes, veio a público “agradecer enormemente” a disposição do Brasil de vir em socorro da Argentina e de seus cidadãos nessa hora grave. O presidente argentino ainda enfatizou que “os laços de amizade que unem Brasil e Argentina são muito fortes e históricos”.
O simbolismo dessa concertação entre Brasil e Argentina em um momento de gravíssima crise política e social na Venezuela não pode ser subdimensionado. O gesto é bastante revelador do empenho diplomático que tem sido realizado, em particular pelo Itamaraty, para construir uma solução negociada para a intrincada crise venezuelana. Esses louváveis esforços da diplomacia brasileira não raro são feitos fora dos holofotes, longe dos ruídos desnecessários e irresponsáveis causados pelo voluntarismo lulopetista.
Decerto conscientes de que, a esta altura, o ditador Nicolás Maduro jamais reconhecerá que perdeu a eleição de domingo passado, as diplomacias de países como Brasil, Colômbia e México parecem trabalhar para ao menos arrefecer os ânimos e elaborar alguma forma de diálogo que poupe vidas e dê alguma perspectiva tanto para a oposição quanto para os milhões de venezuelanos que fugiram do caos de seu país.
Não será fácil, mas será ainda mais difícil se irresponsáveis como o presidente Lula da Silva continuarem a prejudicar esses esforços com bravatas e cinismo. O Brasil deve ser prudente ao lidar com a Venezuela, um país com o qual compartilha uma fronteira de 2,2 mil km, além de outros interesses de Estado em comum. Nesse caso, contudo, aceitar pragmaticamente que Maduro continuará no poder porque se trata de um fato consumado não é o mesmo que considerar como “normal” a situação na Venezuela, como disse Lula, insultando a inteligência do mundo civilizado.
É preciso deixar claro que o Brasil preza a democracia, aqui e em toda parte, e que considera inaceitável qualquer ruptura, seja em países governados pelos desafetos de Lula, seja naqueles oprimidos pelos companheiros do demiurgo. Mas, como mostra a bandeira brasileira hasteada na Embaixada da Argentina, também é preciso deixar claro que, em diplomacia, é necessário sempre deixar uma porta aberta.