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Já foi tarde

Dois anos após as revelações, pelo ‘Estadão’, de seus malfeitos, o encalacrado ministro Juscelino enfim deixa o cargo, saída tardia de quem só estava ali por conveniência de um governo fraco

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Por Notas & Informações
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Chegou ao fim a acidentada carreira de ministro das Comunicações generosamente assegurada pelo presidente Lula da Silva a Juscelino Filho – o deputado federal do União Brasil cujos malfeitos já eram conhecidos havia mais de dois anos, quando este jornal as revelou pela primeira vez. Tardia, a saída do ministro foi finalmente sacramentada não por uma decisão do chefe diante das fartas evidências de malversação de recursos públicos no Maranhão, Estado do parlamentar, ou das suspeitas de transformação da pasta num balcão de negócios privados a serviço da família do então ministro, e sim por ele ter sido denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal, sob acusação de desvio de emendas parlamentares.

Rigorosamente nada, senão a conveniência fisiológica partidária, justificava tamanha tolerância de Lula com um ministro atascado em suspeitas, acusações e evidências tornadas públicas ainda no primeiro mês do atual mandato. O presidente o manteve sobejamente no cargo não pela notória qualificação de Juscelino como gestor público ou conhecedor do ramo das comunicações no País, e sim para conter uma potencial rebelião do União Brasil em razão da queda. Oficialmente, porém, Lula creditava a sobrevida do auxiliar à sua suposta preocupação de não condená-lo com base em reportagens publicadas na imprensa profissional. Apesar da desculpa esfarrapada do presidente, foram justamente as reportagens que pavimentaram caminho para a instauração da investigação que resultou agora na denúncia da PGR.

Antes de licenciar-se da Câmara, Juscelino destinou emendas à prefeitura de Vitorino Freire (MA), administrada por sua irmã Luanna Rezende – aliás, a cidade é dominada politicamente por sua família desde a década de 1970. Suspeita-se que ele teria recebido propinas em troca da destinação dos recursos e do direcionamento de contratos a certas empresas. Houve mais problemas, expostos em mais de 30 reportagens deste jornal, que demonstraram como Juscelino explorou despudoradamente seus cargos públicos para cuidar de interesses particulares. Não só usou recursos do orçamento secreto para asfaltar uma estrada que dá acesso às suas fazendas no Maranhão como fraudou viagens oficiais para participar de leilões de cavalos em São Paulo, escondeu patrimônio da Justiça Eleitoral, pagou os salários de funcionários de suas propriedades com verba de gabinete da Câmara e abriu as portas do ministério para que o sogro, o empresário Fernando Fialho, transformasse a pasta em escritório privado.

Mesmo que Juscelino fosse uma sumidade no campo das Comunicações – o que nunca foi –, ou ainda que as denúncias fossem o resultado de uma implacável reação de inimigos com interesses supostamente atingidos por uma eventual revolução promovida pelo ministro, o fato é que um cargo público como o de ministro de Estado é incompatível com tamanha zona de sombras. A suspeitos, indiciados e denunciados, convém dar o amplo direito de defesa, mas essa premissa elementar é bem diferente de dar-lhes salvo-conduto político e moral para se manter no poder.

Na cosmologia de um governo fraco como o de Lula, contudo, indispor qualquer partido de sua base rarefeita é um luxo de alto risco, razão pela qual a paciência presidencial mostrou-se inabalável ao longo do tempo. Resistiu, por exemplo, a um relatório apresentado em abril do ano passado pela Controladoria-Geral da União, cujos técnicos concluíram que o ministro malversou recursos públicos. Nem mesmo o indiciamento, pela Polícia Federal, em junho, por crimes como corrupção passiva, fraude em licitações e organização criminosa, abalou a confiança do presidente. Lula chegou a dizer que “o fato de o cara ser indiciado não significa que o cara cometeu um erro”.

Não está escrito nas estrelas, porém, que, livre da falta de talento de Juscelino para a área, a pasta se livrará também do jugo fisiológico. O deputado Elmar Nascimento (BA), do União Brasil, apressou-se em informar que o “nome natural” para o posto é o do deputado Pedro Lucas Fernandes – maranhense, como Juscelino, e líder do partido na Câmara. O nome do ministro e suas qualificações, obviamente, não têm a menor importância nesse caso.

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