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Janela de oportunismo

Mesmo com a admissão do fracasso do arcabouço fiscal em reequilibrar as contas e conter a trajetória da dívida pública, Simone Tebet prevê nova âncora fiscal apenas no fim de 2026

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Por Notas & Informações
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A ministra do Planejamento, Simone Tebet, anunciou a morte do arcabouço fiscal. Em entrevista à GloboNews, Tebet afirmou que o próximo presidente da República, seja ele quem for, não conseguirá governar o País com o dispositivo proposto pelo atual governo “sem gerar inflação, dívida e detonar a economia”. Para ela, no entanto, a próxima “janela de oportunidade” para um ajuste estrutural nas contas públicas será no fim do ano que vem. Ou seja, não é este governo que pretende fazê-lo.

“Então, nós temos uma janela de oportunidade que não é agora, é em novembro e dezembro de 2026, seja o presidente Lula o candidato reeleito, seja outro candidato eleito, de fazer o fiscal, cortar gastos, cortar o supérfluo, fazer uma política num arcabouço mais rigoroso, que não mate o paciente, obviamente”, disse a ministra.

A declaração de Tebet não surpreende quem acompanha a evolução das contas públicas, mas quando a admissão do fracasso vem de uma ministra da equipe econômica, é porque não há mais como dourar a pílula. O arcabouço, assim como seu antecessor, o teto de gastos, já não serve nem mesmo para salvar o discurso do governo.

Para que o arcabouço tivesse alguma chance de sucesso, seu limite de despesas teria de ter um caráter anticíclico e incidir sobre todos os gastos da União. Mas o governo preferiu um dispositivo que privilegiasse o crescimento real das despesas e apostou na recuperação de receitas para obter resultados primários melhores. Deu no que deu.

Durante a tramitação da proposta no Congresso, os problemas do arcabouço foram agravados, e quem mais contribuiu para enfraquecer o dispositivo foram os parlamentares do PT, ao defender a retomada dos pisos constitucionais de saúde e educação e a política de aumento real do salário mínimo, com regras de reajuste próprias à revelia do arcabouço fiscal.

Era, portanto, questão de tempo para que o dispositivo passasse a comprimir despesas discricionárias, como investimentos e emendas parlamentares, e tivesse o mesmo destino de seu antecessor, o falecido teto de gastos. Mas o teto ainda teve a virtude de sobreviver cinco anos até ser destruído por Jair Bolsonaro, ao contrário do arcabouço, deturpado pelo próprio governo que o elaborou.

Bem que Tebet tentou salvá-lo, mas todas as suas propostas de revisão de gastos públicos, como a desvinculação do salário mínimo de benefícios assistenciais, foram rechaçadas pela então presidente do PT, Gleisi Hoffmann, hoje alçada ao cargo de ministra da Secretaria de Relações Institucionais do governo.

Qualquer governo minimamente responsável assumiria a tarefa de criar uma nova âncora fiscal para substituir um arcabouço que, como a própria ministra falou, não tem sido capaz de domar a inflação e conter a dívida. Mas Tebet confirmou que, neste governo, isso não ocorrerá – e, se ocorrer, isso se dará somente entre o fim da disputa eleitoral e o início do próximo mandato presidencial, um cenário que depende da reeleição para se concretizar.

Dois meses já não seriam suficientes para discutir uma regra fiscal perene e robusta e submetê-la ao Congresso. Mas foi exatamente nesse período de transição que o Legislativo aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que ampliou os gastos do Orçamento em R$ 168 bilhões sem que houvesse recomposição de receitas para cobri-los.

A tal janela de oportunidade que a ministra enxerga serviu como janela de oportunismo: no caso da PEC da Transição, a administração Bolsonaro lavou as mãos, o Congresso se refestelou com as emendas parlamentares e o governo eleito conseguiu elevar despesas muito além do necessário para recompor o Orçamento sem ter de assumir a responsabilidade de garantir receitas para arcar com elas. Partindo dessa base, não havia, de fato, como um arcabouço fiscal frouxo já de saída prosperar.

A cândida admissão de Tebet só revela a pusilanimidade de um governo que pode até saber o que realmente precisa ser feito pelo País, mas que, parafraseando uma ex-presidente da República, prefere fazer o diabo para ser reeleito.