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Jorge Caldeira, escritor, é membro da Academia Brasileira de Letras (ABL)

Opinião | China, Brasil e limites da ação voluntária

Um novo modelo está se impondo. Não só para lidar com a questão ambiental, mas para garantir novo patamar produtivo – e liderança econômica mundial

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A economia chinesa cresceu 5,2% no ano passado. Quando os analistas se debruçaram sobre as causas desse bom resultado, a resposta foi direta: mercado de soluções ambientais. Ele cresceu nada menos que 40% em 12 meses, impulsionado por investimentos de US$ 890 bilhões – equivalentes ao PIB da Suíça. O impacto sobre a totalidade da economia foi tremendo.

Segundo análise da Carbon Brief, sem soluções ambientais, o crescimento seria de só 3%. Em outras palavras, esses investimentos se tornaram o centro dinâmico de toda a economia do país. Painéis solares, automóveis elétricos e baterias são o motor de crescimento mais visível. Mas a expansão em setores como redes de transmissão, hidrelétricas, transporte coletivo, aviação, internet das coisas e inteligência artificial completa a pletora de soluções ambientais que geram crescimento econômico.

A melhor tábua sintética de comparação que posso oferecer para mostrar a força dessa transformação é minha experiência pessoal. Dez anos atrás, integrei-me à Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps). Encontrei um grupo de políticos qualificados, filiados a mais de 20 partidos, e técnicos entusiasmados, todos convivendo em amizade cívica. Um grande incentivo para a ação ambiental voluntária. Em 2014, nas discussões, a China era o exemplo padrão dos problemas ambientais do planeta: poluição cobrindo cidades, rios envenenados, revoltas populares. A decisão de encarar os problemas e fabricar soluções veio em 2016, só oito anos atrás. Em 2020, quando escrevi Brasil, Paraíso Restaurável, em parceria com Júlia Marisa Sekula e Luana Schabib, a China já tinha um mercado de carbono regulado (a fonte de recursos) e fazia seu Plano de Carbono Neutro (o direcionador dos recursos).

Mais quatro anos, e os resultados de crescimento a partir dessas instituições são os mostrados acima. A onda vai continuar. Apesar de toda a transformação na década, a China ainda é a maior emissora de gases de efeito estufa do planeta. Mas o balanço entre crescer com soluções e problemas a serem resolvidos muda cada vez mais depressa. Com o mercado de soluções em expansão, cria-se caminho para uma economia com equilíbrio ambiental – e grande crescimento econômico.

Um novo modelo está se impondo. Não só para lidar com a questão ambiental, mas para garantir novo patamar produtivo – e liderança econômica mundial. Trata-se, enfim, de outra abordagem estratégica na organização do desenvolvimento econômico, tendo no centro objetivos de carbono neutro. De construir uma economia que gira em torno do preço do carbono, do mercado de carbono. De criar fluxos econômicos associados às atividades de baixa emissão.

Esses fluxos não geram só novas indústrias. Nesta década de acompanhamento pessoal da questão ambiental, a China encontrou meios financeiros para plantar 68 milhões de hectares de novas florestas (o equivalente a 8,3% do território brasileiro, ou área somada de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul) num território que não é exatamente famoso pela exuberância natural. Para comparar: no Brasil todo restaura-se menos de 1 milhão de hectares por ano.

A comparação dói. E dói especialmente porque o Brasil continua no mesmo patamar de uma década atrás: lidando com problemas ambientais – sem enxergar suas óbvias soluções ambientais como motor de crescimento econômico. Os dados das emissões brasileiras, daquilo que o País precisa mudar para entrar na economia de carbono neutro, são conhecidos há décadas. Metade delas vem da destruição de florestas e queima de árvores; 1/4, da atividade agrícola, com destaque para a pecuária. O caminho brasileiro para encarar seus problemas e fabricar soluções passa obrigatoriamente por regular o mercado de carbono para financiar manutenção e restauro de florestas, mais compensação das emissões de metano do rebanho bovino e melhores práticas agrícolas.

É um caminho bem mais curto a percorrer que o da China. Minha experiência intuitiva, acumulada em uma década de busca voluntária de dados, diz que, apenas mantendo as matas existentes e restaurando uma área de florestas equivalente à que a China plantou na última década, o Brasil já seria uma economia de carbono neutro. Mas o simples fato de colocar esse dado impreciso e subjetivo, neste ponto crucial, revela a espécie de atoleiro em que o País se meteu nesta última década. Os dados do problema são conhecidos, os dados básicos para formular soluções inexistem.

A maioria dos conservadores brasileiros nega o aquecimento global; a grande maioria da esquerda nega o mercado como instância de solução dos problemas ambientais. A combinação dessas duas forças é hoje visível no paleolítico processo de discussão do projeto de lei que eventualmente venha a regular o mercado de carbono no País. Os membros da Raps fazem muita força e conseguem pouco. A soma da negação do aquecimento com a ignorância total das soluções de mercado gera apenas fósseis desenvolvimentistas dos anos 70.

Resumo. Dez anos de China: crescimento, enfrentando problemas ambientais de frente. Dez anos de Brasil: atraso.

Que não vai ser vencido com trabalho voluntário. Inclusive o meu. Um projeto profissional vai me obrigar a interromper a ação voluntária ambiental, que inclui produção regular de artigos como este. Terei de viver sem a alegria do contato com você, caro leitor, a quem agradeço a companhia nesta jornada de mudanças mundiais.

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ESCRITOR, É MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL)

Opinião por Jorge Caldeira

Jorge Caldeira, escritor, é membro da Academia Brasileira de Letras (ABL).

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